Ontem de manhã, escutei uma conversa engraçada:
- A Lorelai é mal humorada, a Sofia de vez em quando. A Isa é muito boazinha, mas é medrosa igual ao Zeca. Se você chegar muito perto, os dois fogem. O Raul é sem-vergonha, deixa você fazer o que quiser com ele.
Eu sorri. Era minha Pequena explicando pra moça que estava trabalhando em casa pela primeira vez como é o temperamento dos nossos bichos. Além disso, ela mostrou onde ficava a ração de todos eles e explicou que o Zeca parece bobo, mas bate no Raul quando ele tenta roubar o pão e que a Lorelai tira a ração de dentro do pote com a pata pra comer no chão. Ela seguiu o dia todo falando com a moça, explicando INCLUSIVE a rotina da casa e a ordem das coisas.
A memória é potente, lembra de detalhes e coisas que muitas vezes eu já me esqueci (e olha que eu tenho memória de zebra!), retoma assuntos distantes quando, por algum motivo, faz um link com algum acontecimento atual. Gosta de livros, já me pediu muitas vezes pra ler trechos do "Sete Anos no Tibete", assistiu inúmeras vezes ao Senhor dos Anéis, gosta e pede pra parar no filme quando vê passando de novo. Apaixonou-se por Merida e cismou que quer aprender a andar de cavalo sozinha. Ontem imitava jogador de futebol no corredor e cogitou a hipótese de aprender a jogar de verdade (e por que não?).
É lindo, porém assustador. Tudo é muito rápido, quase instantâneo. Separando fotos pro aniversário, bateu saudade dela bebê, de vê-la tão pequenina, tão dependente. Na minha ilusão de mãe, sempre me imaginei criando uma pequena e potente Ártemis. É assustador quando a coisa acontece ali, diante de seus olhos. A energia muitas vezes indomável, as opiniões, a relativa independência, a intensidade. Tudo é muito intenso, sem meios-tons. Pirulita não tem meios-tons.

Porque eu também não tenho meios-tons. Eu falo de forma clara e honesta com ela, muitas vezes muito além do que as pessoas julgariam aceitável, necessário ou natural. Mas pra mim é natural e espontâneo. Outro dia ela me perguntou por que eu usava absorvente e o que era o sangue da menstruação. Eu expliquei: "isso é uma fraldinha pra não sujar a calcinha com o sangue e o sangue se chama menstruação. Isso quer dizer que não tem outro neném na barriga da mamãe. Quando tem neném, não sangra". Ela escutou e saiu. Muito tempo depois, acho que algumas horas, ela voltou a perguntar: "então foi por isso que saiu muito sangue de você depois que meu irmão nasceu, porque não tinha mais neném?". Estupefata com a relação que ela estabeleceu entre uma cena do pós-parto imediato e a explicação sobre a menstruação, apenas concordei. E penso nisso em termos de longo prazo.
Olho ela dormindo e a vejo tão pequenina, tão indefesa, um bebê grande. Mas, de bebê ela não tem mais nada. Ela agora é uma menina, inteligente e esperta, vivaz. Interessante como, mesmo estando debaixo dos nossos olhos, nem sempre percebemos as mudanças, o crescimento. Ou melhor, percebemos de forma intuitiva, mas a constatação, a tomada de consciência, acontece num repente. E é nesse repente que percebemos o quanto é rápida a evolução...
Links interessantes:
Foto 1: Lorelai
Foto 2: Isa
Foto 3: Sofia
Foto 4: Raul e Zeca

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