Venho de uma experiência não muito boa do parto da minha primeira filha,
a 9 anos. Foi uma cesariana “supostamente necessária” com 38 semanas de
gestação. Foi muito frustrante para mim, pois havia me preparado muito para um
parto natural. Simplesmente arrancaram minha filha de dentro de mim e só pude
tocá-la e amamentá-la 4 horas depois.
Mesmo após essa experiência ainda mantive acesa
dentro de mim o desejo de ter a vivência de um parto natural, para provar a mim
mesma que sou capaz, que meu corpo é saudável e forte o suficiente.
Quando fiquei grávida novamente já estava
totalmente decidida, principalmente para contrapor o conceito obsoleto de que
após uma cesárea não é “aconselhável” ter um parto natural.
Eu e meu marido, Renato, nos preparamos durante
toda gestação. Pesquisamos em livros, artigos científicos e principalmente
lemos centenas de relatos de partos de todos os tipos e com diversos desfechos.
No início da gestação a gente apenas brincava
um com o outro dizendo que qualquer coisa faríamos o parto em casa mesmo, só
nós dois, para não termos de nos sujeitar às intervenções hospitalares. Eu
simplesmente não conseguia aceitar ter de parir deitada, com as pernas
amarradas ou sem a presença constante do meu marido.
A gestação evoluiu e tudo se encaminhava para o
parto natural desejado. Durante toda a gestação procurei fazer bastante
agachamento nas atividades diárias, ao cuidar da horta, brincar com minha
filha, fazia alongamentos diários e procurei caminhar bastante.
No início do terceiro trimestre pesquisamos as
maternidades de todos os hospitais da região, mas não nos sentimos convencidos
a realizar o parto em nenhuma delas. Chegamos a cogitar a possibilidade de nos
deslocarmos para uma maternidade que realiza parto na água em Florianópolis,
mas achamos inviável. Também entramos em contato com uma equipe de parto
domiciliar de lá, mas não atendem em outras regiões. Nessa fase nos sentimos
totalmente sós num contexto obstétrico completamente diferente ao que
desejávamos para o parto.
Então a idéia de realizar um parto em casa,
feito por nós mesmos começou a tomar forma.
Intensificamos as pesquisas, compramos o
instrumental básico (tesoura cirúrgica, clamp umbilical, ambu de aspiração,
etc...), preparamos toda a “logística” para o parto, inclusive a possibilidade
de deslocamento para o hospital mais próximo em caso de distócia, o que levaria
em torno de 6 minutos, ou chamar um resgate móvel.
De forma alguma queremos incentivar o parto sem
assistência, mas essa foi a nossa escolha de início diante das nossas
circunstâncias e das condições favoráveis indicadas pelo pré-natal. Somente no
nono mês entrei em contato com minha amiga que também é enfermeira, Monique,
convidando-a para estar presente no parto, mas sem a intenção de incubi-la de
qualquer responsabilidade.
Esperamos o último ultrasom para estabelecermos
os preparativos finais e poder comunicar e convidar as pessoas “escolhidas”
para estarem presentes no parto.
Com 37 semanas tudo estava a favor:
apresentação cefálica, cordão bem “desenrolado”, minha pressão arterial sempre
muito estável e normal.
Comunicamos meus pais da nossa decisão pelo
parto domiciliar, apresentamos os riscos e benefícios e eles aceitaram com
certo receio, mas com informação necessária e o passar dos dias eles se
tornaram “ativistas” do parto domiciliar e se prontificaram a ajudar no que
fosse preciso e a estar presente no parto.
Por fim nossa “equipe” ficou formada por meus
pais, minha cunhada e minha amiga enfermeira, Monique.
Com 39 semanas e 3 dias, no dia 18 de dezembro
estava me sentindo ótima, parecia que a barriga estava mais leve. Fomos dormir
às 23 horas, estava sentindo um pouco de cólica e uma dorzinha lombar, achei
que se tratava das contrações de ensaio que estavam bastante freqüentes naquela
semana. Por volta da meia noite acordei com uma
seqüência de 3 fortes contrações. Anotei os horários e elas vinham de 10 em 10
minutos. Fui no banheiro e tive mais uma contração quando estava sentada no
vaso sanitário, então percebi pingar umas gotinhas de sangue, ao me limpar
constatei que acabara de perder o tampão mucoso! Fiquei muito feliz! Primeiro
sinal de trabalho de parto eminente! Mostrei para o Renato e anunciei: Acho que
chegou a hora! Tomei um banho longo e relaxante, Renato me ajudou a me depilar
e ligamos para meus pais. Eu não conseguia tirar o sorriso do rosto! Estava
muito orgulhosa de ver meu corpo se comportando de maneira “clássica” para o
início do trabalho de parto.
Iniciamos os preparativos do ambiente. Meu
passa-prato entre a cozinha e a sala virou uma bancada com todos os
instrumentais, rouparias e materiais necessários para o banho do bebê. Também
deixamos prontas as bolsas para uma possível ida para a maternidade.
Acendemos as velas, liguei uma musica ambiente,
posicionamos um colchão no chão da sala com um plástico por baixo do lençol.
Com tudo pronto comi uma porção de gelatina e procurei relaxar. Caminhava,
dançava, rebolava, me agachava e respirava profundamente durante as contrações.
Meus pais chegaram por volta das 2 da manhã e decidimos chamar Monique e minha
cunhada quando as contrações estivessem em 3 ou 4 a cada 10 minutos. O Renato
verificava constantemente minha pressão arterial e eu estava sempre atenta aos
movimentos do bebê nos intervalos das contrações, além de verificar os
batimentos cardio-fetais. Também ensinei o Renato a realizar o exame de toque
algumas semanas antes do parto e ele fez o primeiro exame constatando 3 cm de dilatação. Já
imaginamos que Milena nasceria próximo do amanhecer.
A 01h40min estava caminhando na sala quando
senti a bolsa romper, escorrendo o líquido aminiótico bem clarinho, quase
transparente. Que felicidade! Mais um sinal fisiológico do meu tão sonhado
parto natural.
Ligamos para a Enf. Monique que ficou de
sobreaviso, mas ela não quis esperar e chegou por volta das 2h30min. Ao
realizar o segundo exame de toque já conseguiu sentir a cabecinha! 5 cm de dilatação. Estava na
metade do caminho!
Eu estava o tempo todo muito concentrada. Num
certo ponto me entreguei para a dor. Sabia que ao invés de lutar contra ela eu
deveria entrar em sincronia com seu ritmo e trabalhar a favor da natureza, e
assim fiz. Percebia também a Milena se esforçando junto. A cada contração
sentia ela empurrando para baixo com a cabecinha.
Me permiti virar “bicho”. Ficava na posição que
me desse vontade, respirava como meu corpo pedia, gemia, rastejava, agachava e
me aninhava em cada contração. Nos intervalos relaxava completamente, quase
entrava em transe. O
Renato me fazia uma massagem deliciosa na coluna lombar, me
dando mais disposição para receber a contração seguinte.
Por volta das 6h da manhã Monique realizou mais
um toque: 8 cm
de dilatação e sentiu a cabecinha. Estava chegando a hora! Ela e minha cunhada
ficavam deitadas na minha frente, com uma lanterna esperando o coroamento.
Nesta etapa as contrações estavam fortíssimas, 4 a cada 10 minutos e quase
emendando uma com a outra. O Renato se posicionou atrás de mim, sentado no
sofá, me ajudando a ficar de cócoras. Lembro de perceber as feições de cada um.
Em cada olhar eu sentia o apoio, o cuidado e isso me dava mais forças.
De repente, com uma contração forte, me deu uma
sensação semelhante a vontade de evacuar. Quando relatei minha mãe disse: “se
der vontade pode fazer, e faz a força!”. Então eu sincronizei a força com o
ápice das contrações e finalmente senti o “puxo materno”. Uma força descomunal,
quase sobrenatural tomou conta de mim. Senti-me dominada pelo extinto, me
entreguei inteira para aquele turbilhão e meu corpo pareceu agir sozinho! Na
primeira força respirei fundo e escutei Monique dizer: coroou! Mais um puxo e
saiu toda a cabecinha. Percebi a euforia de todos, parecia uma torcida! Monique
verificou que não havia circular de cordão. Milena deu o meio giro com o
corpinho e na força seguinte passou os ombros e finalmente ela deslizou para o
nascimento. Sensação maravilhosa do corpinho dela passando pelo canal, não doeu
nada, senti um prazer indescritível! Peguei Milena no colo, ela tentou chorar
mas estava com muito líquido na garganta. Aspirei a garganta com a perinha e
ela chorou pela primeira vez. Monique aspirou as narinas e eu a trouxe no meu
peito. Ela parou de chorar e já abriu os olhinhos, me admirando enquanto eu e
Renato lhe dávamos as boas vindas. A testa enrugava toda no esforço de manter
os olhinhos abertos, nunca iremos esquecer daquela carinha. A enchi de beijos,
mesmo toda ensangüentada, sentindo aquele cheirinho maravilhoso que ficará pra
sempre na minha memória olfativa e afetiva. Depois de ser secada e agasalhada
Milena mamou pela primeira vez naquele mesmo momento, ainda com o cordão
pulsando e a placenta dentro de mim.
Ficamos por alguns minutos ali, os três, numa
troca de carinhos, olhares e murmúrios.
Cortamos o cordão e minha cunhada e minha mãe
deram o primeiro banho. Meu pai estava muito emocionado, rindo e chorando ao
mesmo tempo. Os primeiros raios de sol entravam pela vidraça da janela,
iluminando a banheira. Que visão linda! Pedi para que não tirassem muito o
vérnix, para que ela não perdesse aquele cheirinho bom.
Milena nasceu às 6:50 da manhã do dia 19 de
dezembro de 2012, sem episiotomia, com 3.200Kg, 52cm, Apgar 09/10, kin serpente
planetária vermelha, ao som de Bob Marley!
Depois do banho mamou novamente, também para auxiliar
a dequitação da placenta. Essa etapa foi bastante trabalhosa. Aplicamos bolsa
de gelo sobre minha barriga, realizei uma massagem profunda sobre meu útero que
já estava se contraindo bastante. Com as contrações e uma forcinha a placenta
saiu às 9:20h totalmente íntegra.
Mainô, minha filha mais velha, estava dormindo
durante o parto. Ela já havia feito o pedido de que se a maninha nascesse de
madrugada era para não acordá-la, para que ela recebesse esse “presente” pela
manhã. Minha mãe a acordou a tempo de acompanhar a primeira mamada.
Depois que a placenta saiu o Renato me ajudou a
ficar de pé. Nesse momento fiquei curtindo a cena a minha volta, todos felizes
celebrando a Milena e o desfecho perfeito do parto. Nos abraçamos e eu chorei
de felicidade. Estávamos realizados. Conseguimos proporcionar para a nossa
filha o melhor parto possível: na nossa casa, em família, sem intervenção
alguma!
E junto com a Milena nasceu em mim a verdadeira
mulher. Consegui dar a luz, provei a mim mesma que tenho esse poder.
Em todos os que estavam presentes também nasceu
algo novo. Criamos um vínculo muito mais profundo. Vivenciar esse lindo
nascimento parece ter nos elevado para outro estagio existencial, com muito
mais amor e afeto. Experiência que somente um parto humanizado pode
proporcionar. Assim o ninho da Milena ficou completamente pronto, no momento de
seu nascimento.
Enterramos a placenta no quintal. Eu, Renato e
Mainô plantamos um pé de romã em
cima. A ele demos o nome de a “Árvore Mãe”.

Fernanda Claudio
Tenho 31 anos, sou enfermeira naturopata. A maternagem consciente sempre foi algo de meu interesse e após o nascimento da minha segunda filha passei a integrar uma equipe de apoio materno e familiar. Minha intenção é me especializar em obstetrícia para começar a atender partos domiciliares na minha região, para que outras mulheres possam vivenciar essa maravilhosa e transformadora experiência!

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