40 semanas e 4 dias de gestação
“… Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida….”
21 de novembro de 2012: nesse dia nasceu Maria, minha segunda
filha. Pesando 3,455kg e medindo cinquenta e poucos centímetros, às
18h13 (horário brasileiro de verão), num parto natural na água, depois
de um looongo trabalho de parto… 48 horas de fase latente + 17 horas
entre o início da fase ativa e o nascimento = 65 horas no total, 3
noites praticamente sem dormir, quase 3 dias fora do tempo e do
espaço normais, meio fora da vida real mas muito dentro da realidade
mais nua e crua que eu já vivi… Trabalho de parto que começou e
transcorreu intensamente em casa e terminou linda e fugazmente na
banheira do hospital São Luiz.
Nesse dia, renasci eu, mulher e mãe de novo, quase 7 anos depois
de uma cesárea desnecessária através da qual veio ao mundo Ana,
minha filha mais velha, que mudou a minha vida, que me fez a mãe que eu
sou hoje… Com a justificativa de “baixo líquido” às 39 semanas e 5
dias de uma gestação totalmente saudável, fui convencida (por falta
de preparo e de informação) pelo meu médico na época (em quem eu
super confiava e que sabia que eu queria parir) a marcar uma cesariana
para o dia seguinte. Sem nenhum sinal de que minha bebê estava pronta
pra nascer, sem esperar pra repetir o exame dali a um ou dois dias
pra confirmar se havia realmente uma baixa preocupante de líquido, sem
nem cogitar uma indução, se fosse o caso…
Ana nasceu, com 39 semanas e 6 dias de gestação, em 18 de março de
2006. Ótima, saudável, linda, querida… Tirando o lado ruim do tratamento
nada humanizado antes, durante e após a cirurgia, correu tudo bem e
minha recuperação foi bem tranquila. Ficou a cicatriz, quase invisível
por fora, mas bem grande por dentro. O não-parto da Ana demorou um tempo
pra ser digerido. Mas me fez ter muita certeza de que quando eu
tivesse outro filho, eu estaria munida de informação e coragem
suficientes pra que ninguém, nunca mais, me tirasse o direito de parir.
O tempo passou
2010 foi um ano de muitos questionamentos e revisões na minha
vida. Questionei meus valores, minhas amizades, minha forma de ser mãe
e mulher até então, as mães ao meu redor, meu trabalho, minhas escolhas,
meu estilo de vida… No final do ano eu cheguei ao auge dessa revisão
toda, questionando também a minha cesárea. Por alguma razão, nesse meio
tempo, a vida foi me aproximando aos poucos de várias maternas –
mulheres que participam ou já participaram da lista Materna, grupo
virtual sobre parto humanizado e maternidade ativa. Informações sobre o
assunto chegavam até mim e me tiravam da zona de conforto.
Resolvi marcar uma consulta com algum médico que tivesse
como prioridade realmente o parto normal, de quem eu pudesse ouvir
uma opinião sincera e confiável sobre os motivos ou não-motivos
pelos quais eu não tinha tido a oportunidade de nem ao menos entrar
em trabalho de parto. Foi minha primeira consulta com a Andrea
Campos, ginecologista e obstetra recomendada por algumas pessoas
conhecidas, com uma taxa de mais ou menos 90% de partos normais (que
deveria ser o “normal” da maioria dos médicos, mas não é). Nessa
consulta conversamos bastante, esclareci dúvidas, confirmei certezas. E
tive clareza do caminho que trilharia caso viesse a engravidar de novo… A
começar pelo fato de que agora eu tinha uma médica em quem podia
confiar e que confiava mais na capacidade feminina de parir do que nas
intervenções da medicina moderna.
No começo de 2011 virei editora da Cia das Mães (hoje fora do ar,
infelizmente) e passei a produzir, escrever, pesquisar muito conteúdo
ligado à maternidade ativa, ao empoderamento feminino. Naturalmente
aquilo foi penetrando ainda mais em mim. Mais informação, mais
esclarecimento. O que era certeza se transformou em convicção. Muitas
fichas que já estavam prestes a cair, caíram durante esse ano.
A gravidez
Não planejei a gravidez mas também não evitei. E ela demorou 1 ano
pra acontecer. E aconteceu. Naturalmente. E inesperadamente, por mais
que no fundo, claro, eu soubesse que poderia acontecer a qualquer
momento. Na bela manhã do meu aniversário de 31 anos, em 21 de março de
2012, eu fiz um exame de farmácia que tinha comprado em segredo no
dia anterior, depois de uns 7 ou 8 dias de atraso. Acordei, fui
ao banheiro, fiz, olhei o resultado positivo, coração disparou, frio
na barriga. Todo mundo dormindo. E eu com aquela notícia dentro de
mim. Não era possível, no dia do meu aniversário, um presente
desse tamanho! Não dava pra acreditar… Não contei pra ninguém. A
primeira coisa que fiz foi mandar um email para a Andrea, com quem já
tinha consulta para exames de rotina marcada para abril. Ela
imediatamente respondeu e antecipou a consulta pra dali uma semana.
À noite fui jantar com Carlão pra comemorar meu aniversário. Acarajé,
moqueca baiana, SerraMalte geladinha… e a notícia da gravidez. Ele a
recebeu meio descrente, ficou meio em choque. Mas logo foi se
acostumando com a novidade. E nós fomos nos acostumando com a novidade…
Até as 8 semanas de gravidez quase ninguém sabia. Esperei até
o primeiro ultrassom pra espalhar a notícia e contar pra Aninha, já
com a certeza de que estava tudo bem com nosso bebê. Ela curtiu muito
a novidade… E toda a família curtiu também…
Uma das coisas que eu já tinha decidido antes mesmo de engravidar
era que não queria saber o sexo do bebê antes do nascimento. E assim
foi, suspense total, até o fim. “O bebê”, sem sexo e sem nome.
Antes do final do primeiro trismestre eu fui ao GAMA (Grupo de Apoio
à Maternidade Ativa), conhecer a Cris Balzano –
doula/parteira/obstetriz indicada pela Andrea e por algumas amigas que
tiveram acompanhamento dela em seus partos – e me matricular na turma de
yoga para gestantes - uma das melhores coisas que fiz na gravidez: as
noites de terça e quinta eram momentos de relax e conexão comigo, com o
bebê, com outras grávidas, com os assuntos relacionados ao parto;
conheci gente legal, aprendi muita coisa. Hoje sinto uma saudade boa
desses momentos…
Eu já sabia bastante coisa sobre o que queria pro meu parto.
Sabia que, por ter uma cesárea prévia, quanto menos intervenções,
melhor. Sabia que sem intervenções eu teria maior controle e consciência
do que estivesse rolando com o meu corpo durante o processo todo e
que isso aumentaria minha segurança e as chances de tudo correr
bem. Deixar a natureza agir. Era isso que eu queria, era isso que
eu precisava. Sabia que com uma equipe particular humanizada era
possível ter um parto natural hospitalar sem intervenções
desnecessárias e em princípio isso me pareceu uma boa opção. Mas depois
de pesquisar mais, ver milhões de vídeos na internet, assistir
palestras, ler relatos (principalmente os do livro Parto com Amor), a
escolha pelo parto domiciliar se tornou quase certa pra mim, porque me
parecia a que me permitiria estar mais longe de intervenções e
interferências desnecessárias, e mais perto da minha natureza e da minha
intimidade. Com o tempo aquilo só foi se confirmando e eu já não
conseguia me imaginar em trabalho de parto e parindo em nenhum lugar que
não fosse a minha casa.
Como já estava certo que a Cris seria minha doula/obstetriz no caso
do parto hospitalar, foi meio natural a escolha por ela também como
minha parteira no caso do parto em casa. Passei a dividir as consultas
de pré-natal entre ela e Andrea e marquei o primeiro encontro com
a Natalia, doula que me acompanharia desde o início do trabalho
de parto. E rolou uma empatia imediata.
Então tava decidido. A equipe já estava definida e os
planos, traçados. plano A: parto domiciliar com parteira/obstetriz
(Cris Balzano) + doula/obstetriz (Natalia Rea) + pediatra
neonatologista (Ana Paula Caldas). plano B: parto hospitalar no São Luiz
(nesse caso, com Andrea Campos como obstetra).
Andrea me indicou uma consulta com a Miriam,
fisioterapeuta especializada em períneo. Com 32 semanas, fiz a primeira
avaliação e ela me ensinou a massagem perineal, que ajuda a preparar a
musculatura do assoalho pélvico. Fiquei duas semanas fazendo a massagem e
voltei para reavaliar e aprender a usar o Epi-no, aparelho que faz
uma espécie de simulação do expulsivo, aumentando a consciência da
região para alongar e relaxar o períneo na hora da passagem do bebê. Fiz
a massagem e o treinamento com Epi-no quase todos os dias até entrar
em trabalho de parto. Me dediquei bastante a essa preparação (e
valeu total a pena, o resultado foi excelente: laceração zero.) É
importante saber que apenas cerca de 20% das mulheres têm laceração em
partos normais, mesmo não fazendo preparação nenhuma (por isso a
episiotomia não deve ser um procedimento de rotina!). Mas fazer a
preparação aumenta bastante as chances de não-laceração.
Tudo foi correndo otimamente bem com a gravidez e chegamos à
reta final… Eu tinha um feeling (que se confirmou) de que não entraria
em TP antes das 40 semanas, então estava bem tranquila. Na verdade,
no final da gravidez, fui tomada por uma “chapação”, uma
tranquilidade que ia aumentando na mesma medida em que as pessoas ao
redor iam ficando ansiosas. Eu estava serena. Uma semana antes da data
provável do parto, eu me senti mais disposta que o habitual. Dei uma
desinchada, me sentia mais bonita, mais leve, mais feliz… Hormônios
mágicos de final da gravidez, talvez…
As coisas do bebê estavam ok, as coisas para o parto estavam ok,
a casa estava basicamente abastecida e a gente estava na espera. Em
paz. Minha data provável do parto era 17/11, que caía no meio do
maior feriadão do ano, porque era a junção de dois feriadões: 15/11
(uma quinta) e 20/11 (uma terça). A lua ia mudar no dia 20. E a aposta
de todo mundo passou a ser essa: o bebê nasceria no final do
feriado, depois da mudança da lua, entre dia 20 e 21 (o que acabou
se confirmando também).
O trabalho de parto – pródromos e fase latente
Chegou o feriado. E até então, eu só tinha contrações de Braxton-Hicks e nada mais…
Quinta, 15. Fiz minha série de yoga de manhã com a
Ana me acompanhando. Fui ao mercado e como o calor tinha dado uma
trégua, resolvi fazer chá de gengibre. E preparei em casa uns tacos
mexicanos beeem apimentados, delícia…
Sexta, 16. Fiquei em casa, sem muitas atividades, tranquila…
Sábado, 17, DPP, 40 semanas! Carlão foi pedalar e eu
fiquei aqui no condomínio com a Aninha, minha cunhada e meu sobrinho,
que vieram almoçar com a gente. Comi um pratão de feijoada e tomei até
uns goles de SerraMalte que caíram maravilhosamente bem… No fim do dia
comecei a sentir coliquinhas baixas e “ardidas”. À noite o bebê mexeu
muito e senti muita pressão embaixo (não conseguia saber se era na
bexiga ou no útero).
Domingo, 18. O sol voltou com tudo, céu azul. Aninha
foi passar o dia com meus pais, Carlão foi pedalar de novo (já prevendo
que em breve não poderia mais pedalar tanto) e eu desci sozinha pra
piscina do condomínio. Passei o dia tomando sol e descansando. Quando
ele voltou, estávamos famintos e fomos comer um sanduíche na padaria
perto de casa. Ali na mesa comentei que estava sentindo mais as
tais mini-cólicas no baixo ventre e comecei a perceber que elas vinham
e iam embora, como ondas… Opa, como ondas? Seriam pródromos? As
contrações se aproximando? Eram.
E foram aumentando. E ficando incômodas. Não conseguia
identificar direito se eram contrações. As BH continuavam, mas não
necessariamente coordenadas com essas outras dores. Sentia também um
pouco de pressão na bacia, um pouco nas costas e vontade de fazer cocô
(mas não saía muito). Vontade de fazer xixi quase a todo momento, mas
era mais uma impressão porque saíam só gotinhas, às vezes nada. A cólica
às vezes lembrava uma dor de cistite, mais pontada do que contração…
Mas em alguns momentos vinha bem forte e ia embora. No começo da noite
senti uma contração mais forte. Tive até que sentar quando ela veio.
Naquela hora eu tive certeza de que tinha começado.
As contrações se revelaram contrações mesmo, por volta da
meia-noite. Bem marcadas e bem doídas (as coliquinhas baixas
sincronizaram com as contrações). Comecei a marcar no aplicativo do
iPhone (CTX contraction timer) e estava vindo + ou – 1 contração a cada
10, 12 minutos, entre 1h e 2h da manhã. Bem doloridinhas, a barriga
ficava dura e doía bem lá embaixo. Eu já não conseguia dormir e fui
tomar banho… Durante a meia hora que durou o banho tive mais 3
contrações… Depois que saí do banho, em vez de espaçarem, diminuíram o
intervalo. Ficaram de 4 em 4 minutos. Alarme falso, logo espaçaram de
novo. Mandei mensagem pra Cris e pra Natalia, contando o que estava
acontecendo, só pra ficarem de sobreaviso. Tentei dormir. Já passava de
4h da manhã.
Segunda, 19. Levantei depois de conseguir dormir
picadinho das 4h até 8h e pouco. As contrações continuaram, acordei
várias vezes com dores, mas parei de contar. Fiz vários cocôs de
madrugada e de manhã também. Toda vez que sentava na privada dava
vontade. Durante o dia, vida (quase) normal com várias contrações
doloridas no decorrer do período. Parei de marcar, por sugestão da
Natalia. Fiz coisas da casa, desci no parquinho com a Ana, fomos ao
mercado nós 3… As contrações não sumiram em nenhum momento, mas não eram
regulares. Por volta das 15h, fui fazer xixi e notei um micro
marronzinho quase transparente no papel higiênico, na hora de limpar.
Acho que durante a madrugada já tinha aparecido uma vez, mas foi tão
micro e eu tava tão sonâmbula que quase não registrei… Era um sinal do
tampão querendo sair…
As contrações continuaram ao longo do dia, irregulares em alguns
momentos, porém constantes e bem doloridas na maioria das vezes. Tinha
também essa dorzinha aguda, meio que uma pontada, no pé do útero, que eu
não sacava direito o que era, se fazia parte da contração, se tinha a
ver com a cabeça do bebê encaixando e pressionando…
Falei com a Nat por mensagem. E com a Cris por telefone.
Elas recomendavam fortemente que eu descansasse. Porque não sabíamos
quanto ia durar essa fase latente e ia ser ruim se eu estivesse muito
cansada quando engrenasse. Juro que tentava descansar. Mesmo. Mas já
não conseguia ficar deitada por muito tempo. Quando vinha uma
contração mais forte era horrível a sensação de estar deitada (fiquei
imaginando as mulheres que são obrigadas a ficar deitadas durante o
trabalho de parto em hospitais, que tortura!).
À noite choveu e explodiu um transformador na rua do nosso
prédio. Inacreditável! Acabou a energia. Junto com isso as contrações
pareciam ganhar ritmo e força. E eu tive uma mini crise de mau humor e
pânico de pensar na possibilidade da coisa engrenar de verdade e nós
estarmos sem luz. Imaginei todo um drama… Sem luz, sem elevador (pra
Cris subir 9 andares com toda a parafernália), sem aquecedor de água,
sem banho quente que era tudo o que eu mais queria naquele momento.
Tentei dormir um pouco. mas foi bem pouco mesmo. Quando acordei, por
volta de 5h, a energia tinha voltado, entrei no chuveiro na mesma hora e
tomei um dos melhores banhos quentes da vida. É incrível o efeito relax
do chuveiro quente na hora da contração…
Terça, 20. O dia amanheceu bonito e as contrações
estavam menos espaçadas e mais doloridas. Eu precisava muito tentar
dormir mais durante o dia, tinha sono… As contrações duravam mais de
30 segundos, eram fortes a ponto de eu ter que parar tudo, mas
ainda conseguia falar. Estavam vindo a cada 10 minutos, talvez um
pouco menos. A dor era bem concentrada no pé da barriga, bem embaixo.
Tinha horas que incomodava mesmo sem contração, rolava uma pressão,
vontade de fazer xixi toda hora. Natalia me disse que era normal e
bom sinal, que o baby devia estar baixo e o colo sendo trabalhado. E
eu torcia demais pra que isso fosse verdade!
As contrações passaram a durar entre 40 e 50 segundos e estavam
com intervalo de pouco menos de 8 minutos. Carlão desceu com a Ana
pra piscina e eu passei boa parte da tarde deitada, descansando.
Não consegui dormir muito porque quando vinha contração enquanto eu
estava deitada, dava uma sensação ruim, vontade de levantar… Não tive
fome de comida. De manhã tomei iogurte com mamão e mel. E só à tarde
tomei coragem pra comer. Melancia gelada. Final da tarde, chegou uma
chuva delícia com cara de verão, trovões e vento. A lua a essa altura já
tinha virado, quarto crescente.
Saiu mais gosminha de tampão às 19h (ele saiu durante todo o
trabalho de parto, em doses homepáticas). Tínhamos combinado da Natalia
vir aqui à noitinha pra avaliar em que pé estávamos. Ela veio. Me
examinou. O colo estava fino e começando a dilatar. Que bom! As
contrações estavam funcionando! Tava rolando! Mas ainda era fase
latente. Preparação. Ela foi embora e ficamos de nos falar caso
acontecesse qualquer mudança.
Tentei seguir a dica da Nat, de colocar uma bolsa de água quente
no baixo ventre, pra conseguir suportar a contração quando
estivesse deitada e tentar realmente descansar, dormir. Mas não
funcionou pra mim. A bolsa de água quente era uma delícia, mas quando as
contrações chegavam, era a mesma coisa que nada estar com ela.
Por volta de meia-noite, fui tomar um banho. Carlão já dormia.
Quando desliguei o chuveiro, as contrações começaram a vir com uma força
e uma velocidade muito maiores do que estavam. Mudança de padrão
mega power! Eram contrações bem fortes com intervalo de 2, 3 minutos.
A fase ativa chegou chegando. Ligamos pra Natalia e ela pediu
pra contarmos durante uma hora pra ver se o ritmo se mantinha mesmo.
E, sim, se manteve. 1 hora e pouco depois, ligamos pra ela de novo.
Ela veio. E avisou a Cris, que também se pôs a caminho.
O trabalho de parto – fase ativa
Quando a Nat chegou, eu estava plantada no chuveiro, em pé, apoiada
na parede, achando que nunca mais ia conseguir sair dali e que não
ia aguentar aquela dor. Ela apagou a luz e ligou o abajur do quarto
no banheiro, me trouxe limonada e um banquinho, sentou na privada.
Me observou. Conversamos. Silenciamos. Não sei por quanto tempo…
Sei que em algum momento ela sugeriu mudar de ambiente e eu tomei
coragem pra sair dali. Me sequei, vesti qualquer coisa, pus uma toalha
no cabelo. Fomos pra sala. Sentei na bola, me apoiei numa cadeira.
O relógio da sala estava parado. Mas pela janela dava pra ver
a madrugada no auge. Querendo amanhecer, talvez? Eu não sabia mais
as horas e nem queria saber.
A Cris chegou. Sorrindo. Ela e o Carlão começaram a encher a piscina
inflável pra adiantar o serviço. O barulho da bomba de encher era
absurdo praquele horário, mas os vizinhos nem tchuns… Os interfones
estavam desativados para manutenção, então nem se quisessem conseguiriam
reclamar! Depois da piscina pronta, a Cris me examinou, mediu pressão,
ouviu coração do bebê. Tudo ótimo.
A Ana acordou e veio pra sala. Carlão ainda tentou fazê-la dormir
mais um pouco, mas quem dormiu foi ele. Ela não conseguiu mais…
Depois disso eu não lembro muito mais da ordem dos fatos. Devo ter
ido e voltado do chuveiro algumas vezes. As contrações continuavam a
todo vapor. Em algum momento rolou exame de toque e a dilatação já
tinha evoluído bem: uns 3 pra 4. O dia amanheceu e me lembro de,
sozinha, entre uma contração e outra, ir fechando as persianas da sala
pra não deixar a luz entrar muito…
Quarta, 21. Dia de feira na minha rua. Dia útil pós
feriadão. E alguma coisa em mim não queria entrar em contato com todo
aquele movimento de fora.
Um episódio cômico no meio de tudo foi a chegada surpresa da
Vania, nossa diarista. Devia ser umas 10h da manhã… Normalmente o dia
dela era sexta. Mas naquela semana tínhamos combinado dela vir na
quarta. Mas quem disse que eu ia lembrar disso em pleno trabalho de
parto? Pois ela veio. Chegou. E estávamos todos na sala, eu de toalha,
no meio de uma contração. E o Carlão, meio sem saber o que dizer,
disse pra ela que o bebê ia nascer logo mais. E ela fez uma cara de
espanto: mas aqui?! Sei lá qual foi o diálogo depois. Eu não conseguia
falar nem agir. Só sei que fui para o meu banheiro e depois de uns
minutos de sanidade, pedi pra Natalia chamar o Carlão pra ele pedir pra
Vania ir embora. Não ia dar pra ela ficar, imagine! Ela não ia nem
conseguir fazer faxina. E eu nem ia conseguir parir. Bom, resolvido,
ele explicou a situação, ela foi embora, ufa.
Não sei quanto tempo depois, mais um exame de toque e a dilatação
já estava quase 7. Era um bom momento pra encher a piscina de
água. Finalmente! O esquema foi ligar a mangueira na torneira da pia
da cozinha (que tem água quentíssima, quase fervendo). Demorou um
pouco pra encher. E eu ia ficando com cada vez mais vontade de entrar
ali. E a Aninha também, diga-se de passagem…
Nem consegui esperar encher por completo. Fui entrando na
piscina enquanto ela enchia, quentíssima. Tava ótimo. E ali fiquei. Deu
uma acalmada momentânea nas contrações, mas não por muito tempo.
Elas voltaram e pareciam ter mudado. Estavam mais doloridas. Me lembrei
das respirações altas e rápidas que tanto treinava na yoga e
resolvi experimentar durante as contrações. Funcionou. Ficou mais
suportável. Troquei os gritos e gemidos pela respiração. Lembro da Cris
me acalmar dizendo que eu estava indo super bem e que aquilo devia ser o
máximo que ia doer porque estava bem perto da fase de transição (quando
o expulsivo se aproxima).
Lembro de ficar num estado entre o sono e a vigília, não
tinha pensamentos. Só sentia quando a contração vinha. A casa estava
em silêncio. Só o barulho da água quando eu me mexia. A luz do
dia invadia a sala pelas persianas semi-fechadas. Lembro vagamente da
Natalia dormindo no sofá. Da Cris sentada na cadeira próxima de mim,
lendo alguma coisa. Do Carlão indo e vindo. Da Ana tomando iogurte. E
também dela sentadinha, quieta, me observando… O que será que ela
pensava…?
Devo ter passado pelo menos umas duas horas assim, dentro da
água. Fiquei enjoada daquela quentura toda e a Natalia me salvou
trazendo uma toalha molhada com água fria pra colocar na minha testa e
na nuca. Que delícia! Foi uma das sensações inesquecíveis do trabalho
de parto.
A Ana estava entediada com aquela espera… E resolveu que queria
ir pra escola. Carlão deu almoço pra ela e levou. Desde que decidi
pelo parto domiciliar, passei a conversar bastante com a Ana sobre isso
e tinha deixado bem claro que ela poderia escolher ficar ou não.
Meus pais estavam disponíveis pra ficar com ela também, caso
ela preferisse. Ela escolheu ficar. Depois enjôou. E foi pra escola.
Tudo muito tranquilo.
Chegou a hora de sair da água pra ver o que acontecia… E lembro de
uns flashes depois disso. Quis voltar pro chuveiro. Fiquei bastante.
Saía. Voltava. Saía. Me lembro de estar bem cansada, com sono, de tentar
dormir sentada na privada com a cabeça pra trás encostada na parede. A
Cris até me trouxe um travesseiro pra apoiar. Eu chegava a dormir por
uns segundos entre as contrações. Eu estava ficando de mau humor com as
dores e com o cansaço, acho.
A Natalia tinha me sugerido que eu voltasse a vocalizar, ao invés de
só fazer a respiração rapidinha pelo nariz, que tentasse soltar mais a
voz, colocar pra fora em vez de segurar na respiração curtinha, que isso
poderia me ajudar. Topei tentar. E a partir daí, me lembro de gritar
meeesmo, sem dó!
A Cris me examinou e concluiu que se a bolsa não estourasse, a
cabeça do bebê não ia conseguir descer mais. A bolsa estava íntegra,
na portinha, disputando espaço com a cabeça do bebê, formando tipo uma
bolha, impedindo a cabeça de pressionar o colo do útero. As
contrações monstras não davam trégua, estavam fazendo sua parte,
empurrando a cabeça pra baixo. Mas a dilatação estacionou (em 7/8)
porque a cabeça não conseguia descer. Um círculo vicioso de
impossibilidades causado pela bolsa que não rompeu… Ou por um mau
posicionamento da cabecinha ao encaixar… O que será que causou o que…?
Impossível saber…
Passei então, por sugestão da Cris e da Natalia, a tentar movimentos e
exercícios que favorecessem de alguma forma a descida da cabeça, pra
que a bolsa estourasse e a dilatação evoluísse. Fiquei bastante
de cócoras, me movimentei na bola, fiz agachamentos… Acho que fui o mais
longe que pude… Mas tudo parecia bem difícil pra mim naquele momento.
As contrações pareciam insuportáveis.
Três horas e meia depois do exame anterior, a Cris voltou a
me examinar. E nada tinha acontecido. A dilatação continuava em 8 e
a cabeça não descia. Os batimentos do bebê estavam super ok o
tempo todo. Nenhuma alteração em nenhum momento e até poderíamos
esperar mais. Mas a única forma garantida de alguma coisa realmente
acontecer àquela altura era a bolsa estourar. E não é indicado fazer o
procedimento de romper bolsa em casa, com a cabeça do bebê na altura em
que ainda estava, pois há risco de prolapso de cordão, uma complicação
bem séria.
Eu estava no chuveiro quando vieram as duas, Cris e Natalia,
conversar comigo, com umas carinhas meio desanimadas. Tínhamos duas
opções: ou esperarmos mais, sem garantia de nada, correndo o risco de eu
ficar esgotada e/ou do bebê apresentar algum sinal de stress e termos
que sair correndo pro hospital (e eu sabia que se quisesse esperar, elas
esperariam comigo). Ou irmos pro hospital com calma naquela hora mesmo,
romper a bolsa e continuar o TP lá. Fiquei de mais mau humor do que já
estava. Quis chorar. Resmunguei. Pedi 5 minutos pra pensar. Mas sabia
que não tinha muito o que pensar.
Chamei o Carlão. Concluímos que tínhamos que ir mesmo. Eu
queria morrer só de me imaginar no carro com aquelas contrações que
agora deviam estar vindo com menos de 2 minutos de intervalo,
implacáveis. Mas todos me encorajaram. Arrumamos as coisas com certa
pressa porque eram umas 15h e se passasse muito mais tempo poderíamos
pegar trânsito. A casa estava de pernas pro ar e assim ficou.
A transferência
Fomos. A Cris e a Natalia em seus respectivos carros. Eu e o Carlão
no nosso. Estávamos andando em direção aos carros e eu tive uma
crise quando veio a contração. Parei, disse que não ia aguentar aquilo,
que eu não conseguia andar, desesperei. A Cris me abraçou e me acalmou.
E me disse que eu ia aguentar, sim.
E eu aguentei. A natureza foi boa comigo e durante o caminho as
contrações milagrosamente espaçaram. Tive no máximo umas 4 de casa até o
hospital. As janelas do carro estavam fechadas e o ar condicionado
ligado. Eu gritava e xingava como louca, falava altos palavrões e
ninguém ouvia lá fora. Era ótimo. Levamos uns 15 minutos do Sumaré ao
Itaim.
Conseguimos pedir pra Flora, filha mais velha do Carlão, buscar
Aninha na escola e ficar com ela até darmos mais notícias. E também
consegui avisar rapidamente meus pais que estava tudo bem, que o
trabalho de parto continuaria no hospital e que avisaríamos assim que
tivéssemos novidades.
O hospital
A chegada no hospital é uma lembrança ruim… Primeiro, a recepcionista
logo na entrada queria que eu respondesse perguntas de cadastro no meio
das contrações. Eu gritando e ela perguntando: CPF, endereço,
blablabla… surreal! E eu, sei lá como, tentava responder. Carlão tinha
ido estacionar o carro. A Cris e a Natalia já estavam comigo e foram
abrindo caminho, fizeram a coisa ser o mais rápida possível.
Adentramos a admissão. A obstetriz do hospital disse que precisava
me examinar. Tive que deitar, fazer cardiotoco e ela fez um exame
de toque bem dolorido. Eu estava impaciente e devo ter sido grossa
com todo mundo ali. Ao fazer o toque, a obstetriz achou uma
coisa estranha, ela sentiu algo que – na cabeça dela – poderia ser o
cordão, o que indicaria um possível prolapso. Ela fez cara de
preocupada, foram momentos de tensão desnecessária, porque
depois concluiu-se que aquela suspeita dela não tinha muito
fundamento. Mas por conta disso, não pudemos ir direto pro delivery
room… Avisaram a Andrea e nos mandaram pra sala pré-parto esperar por
ela.
A recomendação era que eu ficasse mais não-sei-quanto-tempo
no cardiotoco, em 4 apoios, esperando a Andrea chegar. A Andrea
parecia demorar uma eternidade e eu não conseguia mais ficar parada.
Olhava pra Natalia com cara de desespero e eu sabia que ela me entendia
e tentava fazer o possível pra me ajudar, agora dentro das limitações
e dos procedimentos do hospital e das recomendações médicas. Ficamos
ali, naquela salinha minúscula: eu, Cris, Natalia. E o Carlão chegou
depois de cuidar das burocracias da internação. Ele já estava vestido
com a roupa do hospital, rolaram umas risadas nesse momento porque, por
algum motivo, ao invés de darem a roupa de acompanhante pra ele, deram
uma roupa bege, igual à roupa da equipe, doctor style…
Cris saiu pra procurar uma internet e poder checar no site
do laboratório o resultado do meu exame de Strepto. Eu tinha optado
por fazer o exame mas só pegaria o resultado caso houvesse
transferência. Ela conseguiu e voltou com a boa notícia de que tinha
dado tudo negativo. Nos livramos da possibilidade de eu ter que
tomar antibiótico na veia!
Natalia surgiu na sala com 3 picolés. Um de limão pra mim. De
lichia pra ela e pro Carlão. Foi um momento feliz, de conforto, chupar
aquele picolé delícia no meio de uma situação tão chata… Até
consegui conversar normalmente um pouco…
Desde o trabalho de parto em casa eu já estava sentindo uma
dorzinha parecida com dor de cistite e aquilo estava me incomodando
demais naquele momento. A Cris até chegou a tirar minha temperatura em
casa, suspeitando de infecção urinária. Mas devia ser por causa dos
exames de toque, porque depois do parto desapareceu por completo. Por
causa disso eu queria ficar na privada. E também porque comecei a sentir
umas vontades de fazer cocô. E comecei a sentir algo molhado o tempo
todo entre as pernas. Era a bolsa. Estava rota. Mas devia estar com
ruptura alta e vazando aos poucos, o que infelizmente não foi suficiente
pra liberar a bolha que bloqueava a passagem da cabeça do bebê. Quando
comecei a falar que estava com vontade de fazer cocô, elas sugeriram que
eu sentasse na banqueta de cócoras, de repente alguma coisa poderia ter
mudado e o bebê podia estar descendo… Fiquei um pouco na banqueta, mas
não rolou nada, continuou tudo igual.
Ainda estávamos sob a tensão da avaliação equivocada da obstetriz
do hospital. Por um momento, no banheiro da pré-parto, cheguei
a questionar a Cris, se ela achava que poderia ser mesmo prolapso,
se aquilo poderia ser motivo pra uma cesárea. Foi por muito pouco
tempo, mas deu um medinho… Quando a Andrea chegou e me examinou,
descartou logo que o tal negócio fosse o cordão umbilical. Era
possivelmente um pólipo (que não sei como surgiu, porque até então
ninguém tinha sentido). Bom, tava tudo bem, não havia risco. E fomos pro
delivery!
Mesmo estando meio atormentada pelo ambiente hospitalar, me senti
bem ao entrar ali naquela sala. Me lembrava das fotos do livro Parto
com Amor, de histórias lindas de partos que rolaram ali. Olhei as
luzinhas no teto e aquela banheira imensa com aquelas luzes coloridas…
Eu já queria me jogar ali, a Natalia começou a encher de água.
Mas a cada contração eu ficava mais brava e mais impaciente com
as intervenções. Não aguentava mais ninguém me tocando, me
colocando cinto de cardiotoco, me pedindo pra deitar ou levantar. Era
totalmente o oposto do que eu tinha experimentado até então, estando na
minha casa.
E eu teria que aguentar mais um procedimento fundamental:
o rompimento da bolsa. Tive que ficar deitada. Foi simples e
rapidinho. O líquido estava bem clarinho, normal.
Desse momento em diante foi tudo muito intenso e rápido! Não sei
dizer quanto tempo passou, mas na minha lembrança pareceram alguns
poucos minutos.
Depois de estourar a bolsa, a Andrea me examinou e pediu que
eu ficasse “só” mais 15 minutos no cardiotoco, pra termos certeza de
que estava tudo bem e depois eu poderia ir pra banheira e relaxar.
(Como eu não consegui parar quieta no cardiotoco da sala pré-parto,
tinham aparecido várias alterações de batimento no registro do exame,
mas que com certeza tinham sido causadas pelos meus movimentos, porque
eu tinha ficado de 4 apoios na bola em cima da cama e a cada vez que me
mexia, o cinto saía do lugar…)
E me pediram também que eu ainda não fizesse força, não lembro qual era o motivo. Porém…
O trabalho de parto – expulsivo
Quando ela me disse isso – “só 15 minutinhos no cardiotoco e não
faça força” – e colocou o cinto em mim, eu já tava em pé, quase
chorando, gritando na contração e dizendo pra todo mundo que eu não ia
conseguir mais deitar nem sentar, que agora eu só ia ficar em pé, e que
queria fazer cocô! E toda vez eu dou risada sozinha quando me lembro da
Cris dizendo, super calma: “ótimo, isso é ótimo, pode fazer! Faz aqui
mesmo!” E eu pensava (não sei se eu disse): “aqui? como que eu vou fazer
cocô em pé no meio da sala, minha gente? Eu nunca fiz cocô em pé…”
E parecia que ia sair cocô mesmo, a qualquer momento. E eu não
conseguia raciocinar/sentir que era o bebê que estava descendo
finalmente e tudo estava se abrindo dentro de mim! Essa falta de
raciocínio/feeling eu coloco na conta do stress causado por toda essa
mudança de ambiente casa-hospital. Com todo o agito, com toda a tensão,
eu parei de prestar atenção no que estava rolando com o meu corpo
naqueles momentos. Uma pena…
Eu insisti muito que queria fazer cocô e que queria ir até a
privada. Devo ter sido muito enfática porque a Andrea tirou o cinto
do cardiotoco que me “prendia” àquele canto da sala, mesmo não tendo
passado 15 minutos, olhou pra mim e disse: “tá bom, então vai lá, e
coloca a mão embaixo pra ver se a cabecinha do bebê está saindo.”
Eu tava meio paralisada, em pé, de pernas abertas, sentindo
uma pressão gigante. A Natalia me ajudou a caminhar até a privada. Sei
lá porque, mas eu não consegui colocar a mão pra checar se a
cabecinha estava na porta ou não. Sentei na privada, não tinha cocô
nenhum pra sair e eu devo ter percebido isso porque logo levantei,
agoniada, dizendo que tava muito forte a pressão. E elas me diziam pra
então entrar logo na banheira porque ia nascer. Ia nascer! A borda
da banheira era super alta e eu não conseguia levantar minha perna
pra entrar ali. Carlão e Natalia me ajudaram, levantaram minhas pernas.
E eu entrei. Fiquei de cócoras. Sim, meu bebê tava saindo! E eu
comecei a rir… De alívio, também…
Me ajudaram a recostar. Veio uma contração. Força! E a cabecinha
saiu. Eu não tava acreditando! Não sentia dor, não sentia nada, só um
tipo de euforia incrível… Eu tava parindo, caramba!
A equipe estava na beirada da banheira, só assistindo. Eram
só mulheres. E o Carlão, meu marido. Lembro de notar uma pessoa
diferente ali no meio. Era a Ana Paula, pediatra. A gente se
conheceu pessoalmente ali, naquela hora, e nos cumprimentamos, em
pleno expulsivo.
Carlão filmava com a GoPro, embaixo d’água inclusive, mas depois
descobrimos que não filmou nada porque estava muito escuro… A Natalia
fotografou tudo, com o celular dela mesmo, na pressa. Foi a salvação,
senão não teríamos registro nenhum…
Daí acho que vieram mais umas duas contrações e nada do corpinho
sair. Eu olhava pra baixo, pra dentro d’água, via e sentia a cabecinha
super cabeludinha girando, fazendo força pra sair, mas não saía. Nessa
hora, a Cris avisou: “gente, eles não sabem o sexo do bebê, então não
falem nada até eles mesmos verem!”. Eu ainda perguntei de brincadeira
se, assim, olhando a cabecinha de fora, alguém teria um palpite: menino
ou menina? A Ana Paula disse que era menina, porque estava fazendo muito
charme pra sair…
A Cris e a Andrea me ajudaram a mudar de posição. Saí da posição
de cócoras, inclinei mais o quadril pra frente e apoiei as pernas
na parede da banheira. A Cris checou se tinha cordão enrolado no
pescoço, mas não tinha.
Na próxima contração, muita força, veio meu bebê! Saiu nadando
sozinho, como um peixinho embaixo d’água, nas mãos da Cris e nas minhas.
Tirei ele da água, e quem até então era “meu bebê”, virou ”minha
filha”, no momento em que ouvi, no meio daquele turbilhão de sensações e
emoções, a voz do Carlão dizendo: “é menina! rá, eu sabia…” Ai, uma
menina! que emoção… minha filhinha… linda… no meu colo, molhadinha,
quentinha, chegando no mundo, olhando pra gente… e a gente naquele amor
instantâneo, naquele maravilhamento, naquele espanto… aconteceu. O
milagre aconteceu. Bem ali, na nossa cara. Foi lindo demais, redentor,
lavou a alma…
O pós-parto imediato
Ela nasceu ótima. Deu umas choradinhas. Não quis mamar, mas ficou
no meu peito. E ficamos ali na banheira um tempão namorando a pequena…
Alguém perguntou o nome. A gente não tinha conseguido chegar
a consenso nenhum durante a gravidez. Mas nos últimos dias eu tinha
dado um ultimato pro Carlão: “se for menina e você não der nenhuma
ideia melhor, vai ser Maria e pronto”. Então, quando nasceu e era
menina, já tava certo, já tava escolhido: Maria. Maria, Maria… perfeito.
Comecei a sentir umas coliquinhas da placenta querendo sair.
Trouxeram a cama de rodinhas até a beirada da banheira e me ajudaram a
subir. Deitei, grudada com a Maria. O cordão ainda ligava nós duas.
Ainda éramos uma. Massagearam meu útero, puxaram de leve o cordão, a
placenta tava demorando pra sair. Tive que tomar uma injeção de
ocitocina no bumbum, pra prevenir hemorragia. Fazia séculos que não
tomava uma injeção, ainda mais na bunda! Fiquei com um leve medinho na
hora, perguntei se ia doer, e as respostas foram tipo: “menina, você
acabou de parir! Vai ficar com medo de dor de injeção, tá louca?!”
A enfermeira tinha uma mão incrivelmente leve e não doeu nadica
a injeção… Logo depois elas deram mais umas puxadinhas no cordão e veio
a placenta. O verdadeiro final do parto! Colocaram a placenta do
meu lado, na cama, e colheram o sangue dela pra fazer o exame da
tipagem sanguínea da Maria. Nessa hora eu estava com meu celular na mão e
até tirei uma foto, sempre quis ver uma placenta de perto. E aquela era
a minha, minha e da Maria. Guardamos a placenta, trouxemos pra casa
e congelamos. Ainda não sei o que vai ser dela. Mas não consegui
me desfazer.
Não sei se foi antes ou depois disso que Ana Paula chamou o Carlão
pra cortar o cordão. E só então Maria saiu do meu colo pra ser
rapidamente examinada, pesada, e voltar rapidamente pro meu colo.
Coloquei ela no peito de novo. Ela deu uma procuradinha, chegou a pegar
um pouco, mas não se interessou em mamar de verdade logo de cara. (Ela
deve ter nascido com uma reserva boa, porque demorou mais uns dias pra
realmente sugar forte.)
Muito boa a lembrança desses momentos logo após o parto. Uma paz, todo mundo feliz, todo mundo tranquilo…
Não tive laceração nenhuma, períneo íntegro, nenhuma intervenção.
Eu me sentia zero bala, com vontade de levantar e tomar uma ducha
ali mesmo (mas só pude tomar banho depois da meia-noite, regras do
hospital, um saco…).
Andrea estava preenchendo uns papeis e me perguntou se queríamos
sair do hospital “hoje mesmo ou amanhã”. Poderíamos ter saído no mesmo
dia! Mas o cansaço era tanto, a preguiça de voltar pra casa – que
estava uma zona – era tanta, que resolvemos passar a noite no hospital e
sair no dia seguinte depois do almoço.
Depois de um tempinho, a equipe foi saindo, nos despedimos… E ficamos
só nós três. Nós dois e nossa bebezinha linda. Toda enroladinha naquele
pano azul…
Maria tinha que passar pelo berçário antes de poder
ficar definitivamente com a gente no quarto. Carlão foi se trocar e
levar a roupinha dela. E eu fiquei ali sozinha mais um tempo. Fui levada
pro quarto. Flora e Ana já estavam lá nos esperando. E meus pais
chegaram logo depois. Rolaram umas chatices, uma demora pra trazerem a
Maria pro quarto porque a roupa que mandamos não era do jeito que tinha
que ser, porque tinha que ter manta e a gente não tinha (minha mãe teve
que ir até a casa dela buscar uma!). E pra completar, descobrimos que
deram banho na Maria, e passaram sabonete, mesmo a nossa pediatra não
tendo prescrito! Esses momentos me deixaram extremamente irritada
e aborrecida. Mas finalmente trouxeram minha filha. E a partir daí
ela ficou com a gente o tempo todo. A alegria e o amor eram tão
imensos que até nos fizeram esquecer das chatices do hospital.
As irmãs conheceram a irmã mais nova, os avós conheceram a nova
neta. Depois foram embora e Aninha quis ficar e dormir com a gente
no hospital. Dormiu comigo na cama. Maria do nosso lado. Carlão no
sofá. Felizes, muito felizes…
Algumas considerações finais
“Nunca é como a gente imagina”, “todo parto começa em casa mas
não sabemos onde ele vai terminar”… Quando meus planos mudaram
de direção forçadamente durante o trabalho de parto, essas frases
me vinham à mente. Eram frases que eu tinha lido, ouvido e que
repetia pra mim mesma durante a gravidez, tentando me preparar para
o imprevisível, que sempre se apresenta, por mais que a gente
tenha planos bem traçados. Vivendo de fato a transferência de casa
pro hospital, cheguei a me perguntar se tinha feito a escolha certa
ao optar pelo parto domiciliar, se não teria sido tudo mais fácil
se tivesse ido pro hospital desde o começo… A resposta veio
bem rapidamente, pra que a dúvida não me atormentasse por muito tempo…
E eu concluí que foi justamente a transferência pro hospital me
fez ter certeza de que, pra mim, pro meu perfil, pro meu caso, o
parto domiciliar foi a melhor escolha que eu poderia ter feito.
Pude comparar com clareza o choque entre as duas situações: estar em
casa, no meu tempo, no meu espaço, com pessoas me respeitando e deixando
meu corpo agir à sua maneira… E depois, chegar no hospital, ser
tocada por uma obstetriz desconhecida, passar por tensões e restrições…
As poucas horas que passei no hospital me fizeram imaginar como
teria sido se eu tivesse passado lá toda a fase ativa do meu trabalho
de parto. E o que imagino é que, por mais humanizados que fossem o
local e a equipe, os procedimentos e as interferências do
ambiente hospitalar certamente não teriam me permitido lidar tão bem com
o processo, quanto estava lidando em casa.
A ida pro hospital me desconcentrou do processo do trabalho de
parto, que até então eu estava vivendo e sentindo plenamente. Estar
no hospital me desconectou um pouco do meu corpo, me impediu de
prestar atenção nele enquanto eu estava ali. E isso foi chato…
Por isso, ter junto de mim a equipe que escolhi, as pessoas em
quem confiava, fez toda a diferença e me ajudou muito a superar a
mudança radical de ambientes, num momento já bem adiantado do trabalho
de parto. A presença, o olhar, o apoio delas me encorajaram a
continuar confiando em mim e no meu corpo pra enfim trazer minha filha
ao mundo, sem precisar de nenhuma intervenção, além do rompimento da
bolsa, que realmente era o único obstáculo pra que tudo continuasse
transcorrendo normalmente.
Para as mulheres
A primeira coisa que me veio à mente depois que tudo passou foi que
eu simplesmente não poderia viver uma vida sem passar por isso.
Recomendo à toda mulher que realmente tiver vontade de parir, que não
abra mão disso, que vá atrás do seu parto, pra que ele seja de verdade,
digno, pleno, humano, que não deixe que roubem dela esse direito. O
parto é nosso, o parto é da mulher.
Hoje, com o sistema de saúde pública e privada que temos, não é
nada fácil ter um parto humanizado, livre, em que o respeito à mulher
seja o centro do processo, em que a mulher possa decidir onde, como e
com quem quer parir. Conseguir isso, na maioria das vezes, demanda
uma batalha bem difícil contra tudo e todos. É a sensação mais pura de
se nadar/remar contra a corrente…
Escolher e protagonizar seu parto é um direito reprodutivo da
mulher. É – ou deveria ser – uma causa feminista. Para que nossas
amigas, filhas, sobrinhas, netas… todas as mulheres… possam um dia
ter garantido esse direito simples e básico – e ao mesmo tempo
revolucionário - de parir naturalmente, com segurança, dignidade,
liberdade.
Eu, depois de tudo que vivi, só posso confirmar: é uma revolução que vale muito a pena! E só tenho a agradecer…
Agradecimentos
Agradeço à vida por essa experiência incrível!
Agradeço à minha família e ao meu marido, por respeitarem e apoiarem minhas escolhas.
Agradeço à minha querida filha Ana, que me despertou para
a maternidade e me iniciou na trilha que me trouxe até aqui. E, claro,
à Maria, nosso novo amorzinho, que possibilitou que toda essa
aventura acontecesse.
Agradeço à equipe linda e poderosa que esteve comigo nesta jornada:
Principalmente às queridas e fundamentais Cris Balzano – professora
de yoga por quase toda a gravidez, obstetriz no pré-natal e no parto,
as mãos que me ajudaram a pegar Maria no momento em que ela saiu
de dentro de mim. E Natalia Rea – doula, obstetriz (e, de
quebra, fotógrafa! são dela todas as fotos do TP, a partir da fase
ativa). Essa dupla esteve do meu lado do início ao fim, em casa e no
hospital: me acompanharam, me respeitaram, me ouviram, me perguntaram,
me responderam, me ampararam, me seguraram, me libertaram…
Também à Ana Paula Caldas – pediatra hippie firmezíssima, que não nos
abandonou e garantiu as primeiras horas de vida mais felizes
e tranquilas possíveis pra Maria.
E à super Andrea Campos – ginecologista e obstetra durante o
pré-natal e que, quase não precisou, mas teve presença e participação
especiais no gran finale do parto também.
Gratidão e muito amor!
Helô Vianna32 anos, mãe da Ana, 7 anos e da Maria, 5 meses. Formada em Letras, escrevo e edito conteúdos pra mídias impressas e digitais, principalmente ligados ao universo da maternidade.
O trabalho Relato de VBAC: Helô, Carlão e Maria de Helô Vianna foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada.
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adorei asua historia com o parto da crissssssss
ResponderExcluirvoce e uma mulher de coragem fazer o parto numa banheira
ResponderExcluirparabens pela cris
ResponderExcluirparabens vc fez uma filha linda a cris pareabens pela sua coragem de fazer o parto dentro deuma banheira
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