PARTO
HUMANIZADO APÓS 21 MESES DE UMA CESARIANA.
Quando
engravidei do meu segundo filho, desde os primeiros meses comecei a travar uma
verdadeira batalha psicológica e física para conseguir escrever uma estória
diferente da que havia vivido no nascimento do primogênito, onde me vi
prisioneira da praxe médica na assistência às gestantes. No meu primeiro parto,
após algumas horas de dor, uma peridural não solicitada, recepção fria e tensa,
findei recebendo diagnóstico de sofrimento fetal e segui rumo à cesariana.
Nascia meu querido Emiliano.
Na
minha segunda gravidez, não seria diferente se eu não me dispusesse a impor
minha vontade e assumir os riscos que competiam a mim. No total fui há 5
obstetras. Todos eram unânimes em dizer que um parto normal é extremamente
arriscado quando se tem uma cesárea prévia recente. Foi me indicado até mesmo
parto com fórceps, na tentativa de fazer optar pela cirurgia por medo. Alguns
até chegaram a dizer que podíamos esperar as dores, mas eu senti que,
novamente, eu estava sendo levada à prisão da medicina tecnocrata, nos dizeres
de Ric Jones (livro: Memórias do Homem de Vidro).
Conheci
então um médico na Capital (Porto Velho/Rondônia), que seguia, na maternidade
pública de lá, os protocolos da Organização Mundial de Saúde e fui conhecê-lo.
Expliquei exatamente o que eu queria e pela primeira vez, senti-me
verdadeiramente ouvida e respeitada. Ele achou muita ousadia querer ter um
parto domiciliar, mas me garantiu um parto o mais natural e respeitoso
possível, mas que fosse realizado no hospital. Resolvidos os detalhes, agora
era só aguardar o momento mágico.
E
esse momento chegou! Gostaria aqui de pedir licença aos leitores e escrever meu
depoimento direcionado ao meu filho!
“Filho,
comecei a sentir a sua urgência às 23:00 do dia 18 de janeiro de 2008. A cada 15, 20
minutos, você me chamava: ‘mãe, estou chegando’. Eu me levantava e sentia
câimbras, pontadas, pressão. Assim foi durante toda a madrugada. Meu corpo
estava vermelho, hiper vascularizado... esperando para dar o máximo dele para
você. Os 20 anos de prática de yoga nunca me foram são úteis! Eu estava
preparada, física e emocionalmente... Brincava com as posturas e as respirações
enquanto passava a madrugada.
Era
um dia diferente. Amanheceu e seu irmão precisava de uma mãe para brincar.
Ficamos os dois pegando sol (ou seriam os três?!), sem roupa, e tomando banho
de chuveirão na casa da Vovó Yeda, lá em Porto Velho. Ela
fazia almoço e tentava me consolar no desconforto inconsolável.
Estava
tudo dentro do planejado por você. Liguei para o seu papai às 09:00 e disse:
‘larga tudo e vem para cá’, mas ele não conseguiu. Tinha ido para Cacoal no dia
anterior. Seria um longo dia de espera, pensei.
A
vovó e a tia Aninha acharam que seria bom irmos para um igarapé, um banho
natural. Estava decidido então que depois do almoço iríamos. Liguei para sua
doula Glorinha e para sua bisavó Valmyr e avisei que iríamos sair.

Deitei
na cama da vovó e fiquei lá, mergulhada naqueles instantes de pressão e
relaxamento. A cada pontada de força, seguia-se um alívio profundo. Todos
almoçaram, menos nós que estávamos famintos, mas não de comida e sim de
liberdade. Seu corpo e o meu não podiam mais depender um do outro... você
ansiava percorrer o irreversível caminho do nascimento. E eu ia me despedindo de
você dentro de mim aos poucos, como o sangue que anunciava, a cada ida minha ao
banheiro, que a hora estava chegando.
Eram
13:20 quando senti como se um raio tivesse percorrido meu corpo. Socorro!
(pensei). O controle se foi! Acabou a direção dos meus sentidos e eu já não
conseguia mais falar uma frase sequer. Suspende o passeio! Tentei avisar a
doula e sua bisavó de que havia chegado a hora e que estaríamos indo para o
hospital, mas não consegui. Quem terminou a conversa foi sua tia Aninha que já
foi ligando para o médico e colocou-nos no carro. O Emiliano, seu irmão, ficou
em casa, tinha apenas 1 ano e nove meses.
Vovó
foi dirigindo e a tia Aninha dava re-hidratante e torradas para a mamãe. De
repente surgiu tudo de uma só vez... forme, sede, calor, frio... Chegou a hora!
Chegamos
ao médico, ele ouviu seu coraçãozinho, que estava tranqüilo, avaliou a mamãe e
disse: ‘Vai ser rápido, já está com 8 cm de dilatação, no entanto, esta é a fase
mais difícil do trabalho de parto’. Ele estava certíssimo!
Tia
Aninha ligou para o papai e disse que ele podia vir, mas sem correr, porque não
chegaria para o nascimento. E lá estávamos nós dois, na solidão da dor do
parto.
A
sala de parto normal da Maternidade mal podia com tanta gente! Estavam lá a
vovó Yeda, a tia Aninha (que é fisioterapeuta), a bisavó Valmyr (professora de
yoga da mamãe há 20 anos) e a doula Glorinha que me trazia de volta à
consciência com suas massagens. A bisavó fazia chás de canela para
potencializar as contrações e meditava, a tia Aninha lembrou de filmar para
você assistir quando ficar grandinho e a vovó Yeda, bom a vovó Yeda sentia tudo
junto com a mamãe. Segurava a minha mão e se emocionava ao ver você fazendo
força com as perninhas para sair daquele casulo. Eu sentia o cheiro do seu pai,
a força dele veio até nós de alguma forma mágica. Estivesse ele onde estivesse,
ele vinha certo de que nós iríamos conseguir.
Hum,
doía... tudo que eu li sobre parto durante as duas gestações vinha na minha
mente aos pedaços, como fragmentos de orientações. Respirar profundamente,
movimentar-se sempre, manter-se hidratada, paciência, entrega. As palavras do
Dr. Ricardo Jones em seu livro ‘Memórias do Homem de Vidro’ vinham e iam, a
todo instante. Sou mulher! Sou fêmea! Sou a magnífica perpetuadora da humanidade!
Sou feita com perfeição para gestar, parir e amamentar! Pode vir bendita dor do
parto, com toda sua força e poder! Eu te espero e te anseio, pois sei que
contigo trarei meu filho aos meus braços.
Nunca
duas horas me custaram tanto. Mergulhei na dor e me entreguei completamente
àquele momento de intimidade e de poder da natureza. Eu queria eternizar aquilo
que seria a realização do grande projeto de nossas vidas: um parto natural e
saudável. Você foi muito desejado, esperado e sonhado. A vovó Yeda decidiu colocar-me
agachada e disse ‘quando vier a contração, você ajuda fazendo força’. Mas, como
se agüentar de cócoras, se nós ocidentais não temos sequer musculatura
fortalecida para tal? A solução foi a doula aparar-me pelas costas e a vovó
segurar-me de frente. A posição é infinitamente mais confortável e não sentia
mais dor e sim pressão. Pensei: ‘o fisiológico não dói... dói o artificial’.
Lembrei de tudo! Desde os detalhes mais minuciosos. Lembrei de que li em algum
livro algo do tipo: ‘parir de cócoras evita episiotomias, pois não lesiona a
região do períneo’. Lembrei que também li, não sei aonde, que durante o
trabalho de parto o corpo feminino produz mais endorfinas do que qualquer
pessoa produziria em toda sua vida. ‘‘Nossa!’, pensei, ‘que mãe, no meio do
parto lembra de termos científicos’?! Deu até para dar uma risadinha...
O
médico vinha, ouvia seu coração e em uma dessas até disse: ‘ele parece que vem
dormindo, deslizando. Está um bebê muito tranqüilo’. Eu, no íntimo, sabia que
toda aquela sua tranqüilidade se devia ao fato de que você estava vindo ao
mundo exatamente como decidiu, sem interferências desnecessárias, sem
violência, sem choques, sem traumas. Exatamente como Deus decidiu que fosse. As
enfermeiras passavam pela sala de parto e, assustadas, deviam estar se
perguntando porque alguém simplesmente optar por passar por tudo isso?.
Até
que um dado momento, olhei para o relógio e vi marcar 16:20. Eu então, já
cansada, pedi que chamassem o médico e até disse: ‘mãe, chama o doutor porque
não agüento mais, não é possível, tem que já ter acontecido alguma mudança’. E
tinha mesmo! A dilatação se completou e chegou a hora de ver seu rostinho.
Parece que deu um novo ânimo! A dor cessa e tudo que eu sentia era pressão. O
medicou arrumou a cama de forma a me deixar quase agachada, chama-se cadeira de
PPP. Dá para a mãe parir na posição que achar mais confortável. Lembro do
médico me dizendo: ‘você não quer ficar de costas? Posso ajeitar a cadeira’. Eu
só queria empurrar você. Me joguei em cima da cadeira e até disse para a sua
vovó que queria mesmo era dormir. Ela disse que de jeito nenhum... queria ver
logo o netinho dela.
O
tempo é mesmo um conceito subjetivo... hoje digo que fiz força por 20 minutos e
todo mundo acha tão rápido... eu só me lembro de demorar, e muito! O cansaço
foi ficando maior pois eu estava sem dormir e sem me alimentar direito há dias.
O médico disse: ‘o segredo é: inale uma flor e assopre uma vela’; já eu
lembrava do livro ‘Quando o corpo consente’, que dizia: ‘não precisa empurrar,
o bebê vai seguir o caminho naturalmente’. Mas, ‘quer saber?’, pensei, ‘vou é
empurrar sim’. E foi força! Lembro de achar que eu ia explodir. Todas diziam
como você era cabeludinho e eu não resisti, quis tocar para sentir sua
cabecinha saindo. O momento do nascimento é um momento de poder além de nós. De
repente, o corpo todo muda, se tensiona e dirige pressão para a saída do bebê.
O útero é mesmo poderoso e involuntário.
Um
ventinho que vinha da janela da sala de parto normal me fazia carinho no rosto
entre uma contração e outra. Chegava a durar 5 a 6 minutos de intervaldo e
acho que eu até dormia de tão gostoso que era. Não deixei ligarem o
ar-condicionado, nem direcionar foco de luz, a música suave que a bisavó Valmyr
providenciou ainda estava tocando... aliás, só eu via graça naquele CD de
mantras, ninguém mais aguentava ouvir, mas para mim era maravilhoso, pois me
distraía a mente e relaxava o espírito.
Chega de descanso, vamos para a ultima contração...
força, força, força e... cansei. O doutor falou: ‘Cariny, agora faça força até
o fim’, mas meu fim era sempre antes do dele. E eu desabava. Na última vez,
respirei fundo e pensei: ‘agora vou aguentar tudo que posso, vou fazer o
impossível’. Eu fechei os olhos, inspirei profundamente e, de uma só vez, fiz toda
a força do mundo! Então... veio você! Sua cabecinha saiu, tinha o cordão
enrolado no pescoço. O doutor tirou e falou: ‘agora respira tranqüila que o
restante o bebê só escorrega’. Foi o que eu fiz e logo você escorregou gostoso
de mim, quentinho. Todo mundo chorava, sorrindo e fazendo festa... você já nasceu com salva de
palmas!
Silêncio...
meu mundo parou. Eu te queria sem panos, sem nada, sobre mim. Te ofereci o
peito, te vi e te cheirei. Lá estava você, exatamente como a natureza planejou.
A vovó era só emoção. Ficaram filmando e tirando fotos, enquanto o médico
esperava o cordão parar de pulsar e a minha placenta sair. Sim, esta é a última
fase do trabalho de parto.
Te
levaram para as checagens e eu ainda pedi ao pediatra que não pingassem ácido
em seus olhinhos. A surpresa foi com o seu tamanho. 51 cm, como o seu irmão, mas 3,700 kg. Cabeludinho,
super animado. Liguei, ainda na cadeira de parto para o Dr. Ricardo Jones e
disse: ‘Nasceu o Giordano. Exatamente como eu sonhei!’. Falei com o papai e ele
estava em Ariquemes.
Falei com a vovó Ana e ela chorou emocionada. Eu desabei no
choro, lavando meu corpo da tensão e comemorando o sucesso. Sim, meu corpo
chorava sangue por te perder e te ganhar, na ambigüidade do momento! Nunca mais
seríamos um só, eu já não o tinha dentro de mim pelo laço da carne. És, agora,
um indivíduo.
As
enfermeiras me ajudaram a ir para o quarto e fui assolada pela maior fome que
me lembro de já ter tido na vida! Vovó pediu meu prato favorito. Chegou seu
irmão Emiliano que ficou paralisado quando viu o quanto você era pequenininho.
E eu só esperava mesmo o seu papai. Às 19:00 horas ele chegou e logo disse que
tinha certeza que iria dar tudo certo! ‘Que bom’, pensei eu, a certeza dele
contagiou nós dois, filho!

Nossa
gratidão eterna à vovó Yeda que segurou a mão da sua mamãe desde quando ela
ainda estava aprendendo a atravessar a rua e até neste dia, quando a mamãe
precisou atravessar a dor e vencer os medos. Obrigado também à tia Aninha que a
todo momento repetia que ia ser rápido igual ao parto dela; à bisavó Valmyr que
não teve filhos, mas ajudou você a nascer e à doula Glorinha que massageou meu
corpo e minha alma, para suavizar sua chegada. Reverências ao Dr. Carlos
Roberto Maiorquim por permitir que seguíssemos sempre o curso natural do
nascimento, nos dando apoio e segurança e ao Dr. Ric Jones, à época presidente
da Rede pela Humanização do Nascimento, por ter me contagiando com a mágica do
nascer em paz através de telefonemas e emails. E foi assim Giordano Tadiotto
Cielo. Através do seu nascimento, foi escrita uma nova história. A vida
sorrirá, eternamente, para ti, filho, assim como sorrimos quando te vimos pela
primeira vez!"
(Relato originalmente publicado aqui).
Cariny Cielo Sou mãe de três meninos e servidora pública na área jurídica. Formei-me em educação perinatal grávida do meu caçula que nasceu em casa, assistido por mim e meu marido. Graças a uma cesárea que doeu muito em 2007, tornei-me membro da Rehuna e ativista da Parto do Princípio para viver um parto natural dois anos depois. Sou uma mamífera e estou no interior de Rondônia. Ah, e escrevo sobre a vida com 3 meninos e em cima de 2 rodas no blog www.sentinelaavancada.com.br

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