Lembra do sucesso do Pepeu? Pois
é aquilo mesmo! Nunca feriu meu lado masculino. Sem crise sempre curti mais
Miss Jane Marple que James Bond. Sempre tão natural que esta minha consciência
do feminino foi surgindo devagar, na maturação da vida. Parte fundamental disso
foi tornar-me pai.
Nasci para a paternidade aos
vinte e nove e tive a sorte de a mãe, então minha mulher já havia quase cinco
anos, me permitir ser o pai que tenho sido pelos últimos quase doze. Com muita
desenvoltura assumi a minha parte na vida de nós três: banho, fraldas,
alimentação, cuidados noturnos, idas ao médico...
Eu e ela sempre trabalhamos, e desde
que casamos dividimos tudo. Não fosse assim, não houvesse esta harmonia, as
coisas seriam diferentes. Se melhores ou piores eu não sei, ninguém sabe. Sabemos
que estamos todos felizes com o modo como as coisas tem sido.
Não é minha intenção afirmar que
todo bom pai (mas eu afirmo: sou um bom pai) precisa ter um pé no closet, não é
isso, mas a minha experiência é do que eu posso falar. Há coisas na vida que a
gente aprende a ver como sendo de menina, são yin. Por exemplo, além das
mencionadas acima, acompanhar as lições, ajudar a estudar para as provas,
preparar para escola almoço e lanches... E ir a reuniões de pais e professores!
Quantas vezes fico esperando minha vez para falar com a tia tal e a mãe a
ocupando numa conversa que nunca mais acaba e eu lá olhando para a lousa, a
decoração da classe, enquanto as outras mães da fila alegremente esperam em
outras conversas sem fim... Tem que ter saco!
Se nada é perfeito, sempre faltam
algumas coisas, futebol certamente é uma delas. Falta ir a jogos, falta
assistir pela TV até, falta brigar por time... Mas falta porque meu moleque não
dá a mínima para tudo isso. É influência do ambiente? É da genética? É
influência? Fica para os que acreditam saber dessas coisas...
Vez ou outra ele chega da escola
e diz que jogou bola na educação física. Se um dia ele quiser ir a algum jogo,
vamos, oras. Pai tá aqui, filhão! (torcendo para que isso nunca aconteça!)
Para evitar o que possa parecer é
preciso dizer que a vida dele não é só flores, ele não tem duas mães. Quando
precisa a mãe me passa a capivara, eu falo grosso e o moleque treme!
Normalmente depois que acaba o stress a gente conversa e minha vida dedicada a
ler humanidades me ajuda a fazer com que ele veja porque tive que sair da
caverna e a gente se entende.
Conversando com a minha mulher
sobre este texto ela me diz que hoje em dia isto é normal! Tem vários amigos no
trabalho com rotinas e comportamentos parecidos com os meus. Alguns com mais
facilidade, outros menos. Penso que é ótimo que seja assim, até porque nosso
tempo exige isso. Nosso tempo, parece, é de quebra, de ruptura, de fim de
fronteiras. Tempo de aceitar que há muito mais possibilidades que certezas. E é
certo que nós, humanos, somos muito mais que as etiquetas que criamos pelo
tempo. Aliás, comecei este texto afirmando uma: sempre fui feminino. Mas talvez
tenha sido uma bobagem, é melhor seguir sendo, só, até o fim.
Jorge Luiz Ricardo Furtado
Esta coisa de perfil é
complicada... Quem lê o texto já criou uma imagem na cabeça. Posso acrescentar
algumas cores na imagem: Sou budista e ateu. Operário, estou passando pelos
quarenta. Literatura, música, filosofia,
sociologia, política, psicologia são algumas das coisas com que me divirto. Mantenho um blog em que escrevo
sob a ótica budista. E vivo em Caçapava/SP.

O trabalho Sempre Fui Feminino (por Jorge Luiz Ricardo Furtado) de Jorge Luiz Ricardo Furtado foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada.
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