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quinta-feira, 18 de julho de 2013

Eu, a Vênus de Willendorf e Minhas Cicatrizes de Cesárea

Estava eu em estado de vigília ontem à noite, esperando meu caçula dormir, quando me veio à mente uma imagem de uma mulher com sua cicatriz de cesárea à mostra. Vi essa imagem no FB. Uma ficha retumbante caiu ali, naquele momento: eu nunca pensei nas minhas cicatrizes. NUNQUINHA.

Eu muito escrevo acerca das cicatrizes deixadas pelas duas cirurgias, mas sempre me refiro às cicatrizes emocionais. Eu nem recordava que agora tenho quatro cicatrizes: duas na barriga e duas no útero. Bom, às vezes eu lembro das cicatrizes da barriga, pois formiga e coça o local, mas quando eu coço, malemá sinto o local. É, ficou amortecido, sem sensibilidade quase nenhuma. Mas nem é lembrança, de fato. Dá a coceira, eu coço, não sinto nada além do formigamento e penso: "putz, até agora não recuperei a sensibilidade da barriga". E só.

 (Foi essa a imagem que eu vi e ela tá lá no Cientista que Virou Mãe, nesse post aqui)

Interessante que, apesar de ter um corpo em tamanho XXG, eu não penso muito nele. Ele está ali, requer cuidados básicos, dou esses cuidados, mas eu não sou daquelas de olhar, virar, mexer. Presto atenção no funcionamento, nos sinais que ele manda. Por exemplo, tenho tido dores musculares recorrentes na lombar. De onde vem isso? Má postura? Tempo que passo sentada no consultório? Mal jeito ao pegar as crianças no colo? Meu peso extra? Ou todas as anteriores? As hipóteses ainda estão em avaliação e sei que é muscular pois, ao entrar no chuveiro pelando, em pouco minutos a dor some milagrosamente com a água correndo em cima. E eu saio como nova do banho. Tenho sentido as pernas pesadas e meus tornozelos têm inchado muito. Eu sei o que é isso: excesso de peso. Engordei depois do nascimento do Pirulito mais do que engordei nas duas gestações juntas.

Ao mesmo tempo que acredito que não posso dizer que sou desligada do meu corpo, também não posso dizer que olho insistentemente pra ele. Outro dia, tomando banho, olhava minha saliente barriga de cima pra baixo (óbvio!). Ela é grande, volumosa, redondona e com certa flacidez depois de duas gestações. Sabe o que eu pensei olhando pra ela? "Eu gosto da minha barriga grande". Isso foi uma grande surpresa, porque somos ensinadas que não devemos amar os gordos, as barrigas grandes, salvo quando elas carregam bebês. Mulher grande e gorda, então, ser amada, olhada e desejada é crime. Uma mulher amar seu corpo da forma que ele é é impensável. Mas, minha barriga é grande. Meu quadril é grande. Meus seios são grandes. Eu sou toda grande. Sou toda redonda. Sabe aquelas imagens neolíticas de mulheres? Essa sou eu. E gente, descobri que gosto de ser assim.

 
Vênus de Willendorf

Não tô falando de saúde, inevitavelmente preciso cuidar do meu peso pois estou tendo problemas, falei deles ali em cima, e eu sou nova: 34 anos. Quero criar meus dois filhos e quero mais um.

Eu ter consciência do meu corpo, amá-lo e cuidar dele, infelizmente, não é suficiente para que eu possa salvaguardá-lo das atrocidades das quais somos vítimas. O fato de ter duas cesáreas prévias não depõe em nada a meu favor. Numa terceira gestação, o discurso corrente será o de que eu não posso parir. Porque eu tenho duas cesáreas, duas cicatrizes na barriga, duas no útero. Porque eu sou gorda. Porque eu posso estar retendo líquido. Porque eu tomo remédio pra pressão alta. Porque... Porque... Porque.... POR QUÊ, ORAS BOLAS?!?!?

"Amamentar se aprende amando...By Cláudia Rodrigues
Quando seu bebê chorar à noite, guie-se pela penumbra da casa até encontrá-lo e finja que está vivendo numa caverna, em algum clã de uma Era remota. Surpreenda-se por tê-lo deixado longe de seu corpo, exposto ao frio. Não há mamadeiras, nem geladeiras, você não tem fogão. Entenda que o drama da existência de um bebê em sua vida nada tem a ver com chocalhos, bibelôs ou chupetas. Você precisa salvá-lo, defendê-lo de feras e em breve o amarrará em seu corpo para ir à floresta. Só você pode salvá-lo, com seu leite, seu corpo, seu calor. Somente você pode fazer dele uma criatura forte e destemida e isso ocorrerá pela viagem dos hormônios em seu corpo, eles levarão as mensagens por meio do seu leite e de suas atitudes. Parir e amamentar é coisa do eu antropológico em nós.Você só está aqui porque uma linhagem de mulheres e homens um dia, lá atrás, salvaram-se, naturalmente, na luta pela sobrevivência. Todo o resto civilizado é prazer que podemos desfrutar. Não deixe que a beleza da civilização, que todos os ganhos culturais que obtivemos te faça fraca e infeliz por ter uma linda criança nos braços."
(copiado do FB, quem souber a autora, me avisa nos comentários, por favor!)

Acho melhor, então, eu me lembrar das cicatrizes no meu corpo, das minhas feridas de batalha, daquilo que está ali, no pé da minha linda e redonda barriga, pois é daí que preciso tirar forças pra não deixar que me abatam novamente. Porque é isso, senhoras e senhores: cada vez que uma mulher entra na faca desnecessariamente, um pouco do feminino morre na Terra...

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O trabalho Eu, a Vênus de Willendorf e Minhas Cicatrizes de Cesárea de Elaine Miragaia foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada.

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