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sexta-feira, 7 de junho de 2013

Saliva Gasta em Vão. Ou Não?!?

Acredito que toda mulher passe pelo processo. Até resolver se quer ter um filho ou não, nenhuma de nós presta atenção em mulheres grávidas. Pelo menos, a maioria de nós não presta. Eu não prestava atenção, nem em gestantes, nem em bebês recém-nascidos, nem em crianças pequenas. Essa perspectiva mudou quando, alguns dias depois do falecimento de um tio querido, me vi num parquinho brincando com uma prima que hoje completa 10 anos e uma menina pouca coisa mais nova. Naquele momento, entre a dor da perda e a gostosura da tarde de inverno brincando com duas crianças, me peguei pensando que queria ser mãe e que não queira fazer aquilo sozinha, queria que meus pais estivessem vivos ainda. Um mês depois eu estava grávida da mais velha.

Assim que a decisão é tomada, as barrigas saltam aos olhos. Os bebês e crianças também. Tudo ganha novos ares e cores. Ternura é o que mais sentimos, associado ao encantamento. Somos mais empáticas e conseguimos nos identificar com aquela que anda igual a um pato e carrega a barriga pesada. Pelo menos foi com esse olhar bucólico que eu olhei muitas gestantes na primeira vez que engravidei. Na segunda gestação, minha cabeça estava tão em outro lugar (tipo: como e onde parir? Onde achar um médico humanizado? Teria dinheiro pra pagar tudo? E minha pressão?) que eu não vi nada além da minha própria barriga crescendo. Nem por isso deixava de me identificar com aquelas que eventualmente eu via no mesmo estado gravídico que eu. Já tinha um olhar diferenciado sobre gestação, parto e maternidade, não estava preocupada com enxoval, decoração de quarto, o que tinha ou não de roupa, que cor meu filho ia usar pra sair da maternidade, lembrancinhas de nascimento, nada. Minha única obsessão era parir. E eu não pari.

O que aconteceu de diferente no pós-parto e puerpério das duas gestações: meu olhar sobre o universo reprodutivo. Ou sobre o universo feminino e da gestante, mais em específico. Da primeira vez, que se exploda! Era só eu e a Pirulita. Da segunda... MEUDEUSDOCÉU!!! O que eu posso fazer pra que outras mulheres não passem pela mesma violência cretina pela qual eu passei? Nunca quis ser mártir, mas a ferida era tão grande, tão aberta, tão exposta, tão purulenta, que me parecia que nada havia a ser feito além de expô-la ao mundo e dizer: cuidado pra que isso não aconteça com você! É a famosa história do curador ferido...

Com isso, hoje, quando vejo uma gestante, a primeira coisa que eu penso é de quantas semanas ela está grávida e a segunda é se ela conhece suas opções. E sempre tem muitas gestantes ao redor, se você reparar bem. A cada esquina você encontra algumas, com olhares e posturas diferentes. No meu caso, sempre calha de aparecer uma na família ou alguma amiga próxima. Sempre tem uma barriga no meu cotidiano. Antes eu só achava legal, hoje me dá revertérios e uma vontade maluca de falar "fique em alerta!".

Graças a uma patada homérica que eu levei em agosto do ano passado, tenho escolhido melhor as palavras e as coisas que eu falo. Escolho melhor pra quem eu falo sobre violência obstétrica, sobre parto humanizado, sobre doula, sobre uma equipe legal, sobre não perder as contas das semanas de gestação, enfim, sobre tudo o que nós, envolvidas com o movimento, respiramos cotidianamente. Como disse a Anne Rammi num texto que li há muito tempo, nós falamos entre nós e para nós. Eu acredito que informação pode salvar o mundo e tento sempre passá-la adiante, mas confesso que eu dei uma retraída depois da tal patada.

De qualquer forma, sempre que estou em algum evento, me vejo conversando com as gestantes. E sempre me pego fazendo as perguntas de praxe: quantas semanas e já pensou no parto (as básicas, se eu me concentrar, lembro de mais 50!). Conversa vai, conversa vem, sempre me vejo falando em prol do parto normal, dando números, estatísticas, sugerindo sites, falando sobre as rodas de conversa, os grupos de apoio, dando os grupos interessantes da internet, enfim, a cartilha completa. Tem gente que chega a anotar tudo, TU-DO mesmo! Aí encontro umas boas semanas depois e pergunto como está, quantas semanas, enfim. Quando chegamos no quesito parto... "Estive falando com meu médico e ele disse que se até dia tal não entrar em trabalho de parto, é melhor fazer cesárea mesmo..." ou "até parece, com os médicos de hoje, vou acabar na faca mesmo, nem adianta brigar". E, normalmente, vejo maridos e namorados logo atrás dessas mulheres, me fuzilando com os olhos, ouvidos atentos na conversa, como se eu fosse uma louca-xiita-subversiva-índia-esquerdista tentando manipular a mente de sua doce, angelical e infantilizada mulher. Como se fossem donos dessas mulheres, úteros e bebês. E é aí que eu broxo.

Porque a sensação é de saliva gasta em vão. Eu utilizei os meus recursos, falei tudo que eu sabia, difundi o máximo de informação que me foi possível. Mas chovi na horta errada. E parece que eu sempre chovo na horta errada. Mas, será que eu tenho que chover só na horta certa?

É fácil falar pra quem já tá toda trabalhada no quesito. É fácil falar pra quem já conhece o be-a-bá, o caminho das pedras, pra quem já se informou ou se encantou com algo relativo ao assunto. É fácil cultivar uma horta num solo pronto e fértil. Difícil é você pegar um terreno seco e esturricado e, do nada, recuperá-lo, remexê-lo, prepará-lo, deixando-o pronto pra receber a semente. Difícil é você ajudar a vingar uma sementinha plantada no sertão. Lógico que, se o solo não for propício praquela semente ou a planta não for específica daquele clima, dificilmente nasça algo dali. Mas, se damos sorte de acertar a mão no terreno e na semente, bons frutos podem vir.

Concluo, então, que a solução é ser chata mesmo. É ter peito pra encarar as caras feias, os olhares enviesados, as bocas abertas num "O" de espanto. É ter força, sagacidade, senso de lógica e pensamento rápido pra argumentar com quem quer que seja. É estar pronta pra ser sabatinada e ainda assim ser olhada com desconfiança. Porque, afinal de contas, a gente nunca sabe onde é que a gente tá chovendo....

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