Depois de um mês sem escrever, parece que os dedos não reconhecem mais o teclado. Titubeantes, eles não sabem muito bem por onde começar. Os olhos, embaçados pelo costume perdido da luz apagada e da sala iluminada apenas pela tela do computador, parecem ainda mais embaçados se eu foco nos dedinhos deixados pelo meu caçula nas lentes dos óculos. Distraio-me. Penso que a cama, junto com as crias, deve estar mais quente do que a sala de casa. Penso em ir dormir. Respiro fundo. E os dedos disparam.
Num segundo reencontram os caminhos milhares de vezes trilhados anteriormente. Os olhos se acostumam e ignoram as digitais do Pirulito. O pensamento acelera e com ele vem a sublimação. Esqueço o corpo, o frio, a gata chata que mia lá fora querendo entrar. E me reencontro. Comigo mesma, com minha vida interna, com as vozes da minha cabeça (hehe...). E com vocês.
Escrevendo eu me perco, encontro, reencontro. Partilho, compartilho, divido, multiplico e somo. Rasgo-me, mostro-me, retalho-me. E depois costuro. E reconstruo. Reescrevo minha história e reestruturo quem sou. O que nasce daqui? Não sei. O saber vem com o tempo, talvez nem com ele. Mas estou super afim de continuar, de seguir e ver no que vai dar...
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Li um texto da Anne ainda essa semana. No final dele, surge uma idéia bastante interessante: estar costurando a roupa que se quer vestir. Isso define bem o que aconteceu durante o mês de maio.
Fiquei impressionada com a repercussão do Projeto. Pra mim, uma idéia simples. Pra tanta gente, uma ação modificadora, uma rede se formando. Demorou pra entender que, de fato, é uma ação modificadora. Não só no sentido mais amplo do termo, coletivo, mas também no sentido pessoal. Muitas mudanças pessoais começaram simultaneamente ao Projeto, a grande parte de forma inconsciente.
Fui fazer um coaching no último fim de semana de abril. A primeira coisa que descobri foi que o virtual é muito mais real do que imaginamos e a rede que percebemos na internet existe de fato. São mulheres e histórias reais MESMO por trás de cada coisinha que lemos. Tentar encarar de frente o que me incomoda sempre foi a segunda coisa: o fantasma do meu mestrado ainda não feito.
Nesse coaching, entre outras coisas, permiti-me assumir em alto e bom som o quanto estou insatisfeita e infeliz com minha vida profissional atual. Reconheci que quero e preciso modificar isso, senão eu vou ter um treco. O que eu mais falei foi jogar tudo pro alto. Pendurar as chuteiras. Aposentar-me precocemente.

Apesar de meu foco não ter sido o trabalho no consultório, sem que eu percebesse comecei a modificar algumas coisas. Desde a faculdade, meu objetivo é trabalhar exclusivamente com mulheres, de preferência em grupo. E isso é a única coisa que eu não tenho feito ao longo desses 12 anos de profissão. Eventualmente, esporadicamente, eu faço algo, mas não tem sido a regra.
Pois bem, comecei a ter horários vagos na minha agenda e me peguei recusando pacientes. Não quero. Pensei em auto-sabotagem, de cara. Mas aí eu me vi quebrando a cabeça e sondando pacientes acerca de mudanças de dia e horário de sessão. Se em primeiro de maio eu não tinha como nem por onde tentar me concentrar em atender qualquer coisa que fosse fora do famigerado sistema convênio, em 31 de maio eu tinha uma tarde toda livre, onde já divulguei grupos de auto-conhecimento para mulheres. Gratuitos, a princípio, com temas variados e aberto às demandas que aparecerem.
Também me propus a usar minha história em prol de um bem maior e estou me organizando pruma proposta envolvendo tentantes, gestantes e puérperas.
O mestrado vai sair. E numa pública, com bolsa. Aí entra a grande virada: assim que o mestrado e a bolsa saírem, eu deixo de atender convênio.
O aniversário das crianças foi em maio, 4 anos da Pirulita e 1 ano do Pirulito. E eu fiz simplesmente TU-DO, com exceção dos salgadinhos. Nunca exerci tão ativamente minha maternidade quanto nesse projeto. Lógico, contei com uma equipe de apoio extraordinária. Minha mãe e minha cunhada fazendo e enrolando docinhos, meu pai como executor das minhas idéias de decoração, Solange e Maiara na retaguarda com as crianças, meu marido de faz-tudo. Sem brincadeira, fiz e decorei SOZINHA 144 mini-cupcakes e dois bolos pequenos. Quem me acompanha pelo FB viu eu postando fotos das joaninhas de isopor e das milhares de borboletas que eu recortei e decorei. Fiquei muito orgulhosa de tudo que eu fiz e muito feliz com a carinha de felicidade da minha filha quando ela viu tudo pronto. Ela não parava de me agradecer e, mais importante, se esbaldou na festa. Eu quase chorei de exaustão.
Muita gente pode não achar nada demais, mas pra quem me conhece de perto, isso é uma mudança fodida de paradigma. De uma pessoa cujo lema é "eu não me mato por nada", fui ao extremo oposto e me matei por simplesmente tudo da festa. Eu me reinventei. E isso não é pra qualquer um, tá?
Outro acontecimento foi os cuidados com a casa. Não vou me extender: odeio serviço doméstico, pago pra não fazer e fico azeda quando faço. Mas me vi sem ajudante numa semana. E fizemos o que demos, sem problemas. Em seguida, minha casa foi engolida pelo caos. Chamei a ajudante um dia a mais na semana e tudo ok, voltamos à ordem. Que não durou uma semana. Fomos engolidos pelo caos de novo.
Minha batalha com o caos doméstico não é de hoje. Ele vem de longa data, piorou na gestação do Pirulito e alcançou tamanho de monstro nos últimos 6 meses, talvez. Pra piorar a angústia, minha ajudante fez uma cirurgia dia 01 e só volta daqui 20 dias. E eu não consegui, num primeiro momento, ninguém pra vir ajeitar tudo. Resolvi empunhar vassoura e rodo e eu mesma enfrentar a besta-casa. Quer saber? SO-BRE-VI-VI.

Sério, tinha bem uns 5 anos que eu não fazia faxina. Só não tirei do lugar pra limpar atrás ou embaixo os guarda-roupas e as estantes. Achei brinquedos e pés de meias perdidos há meses. E tirei duas conclusões: eu faço limpeza melhor do que minha ajudante e minha casa está limpa como há anos não ficava.
Enquanto colocava as crias pra dormir e pensava sobre o que escrever, lembrei que nos últimos tarôs e oráculos que consultei muito se falou sobre retomar minha casa. Eu só pensei na casa concreta, no que não gosto de fazer. Mas aí lembrei que ela também é um símbolo de nós mesmos, de como nos relacionamos com o mundo. E fechei o ciclo.
Retomar minha casa era, na verdade, retomar a mim mesma. Todo processo descrito é a retomada de quem sou, a reformulação de tudo, a reorganização, a reestruturação. Comecei maio com uma faxina emocional no coaching e encerrei o processo com a faxina da minha casa. Tomei as rédeas de mim mesma. Voltei pro corpo. Tomei posse da minha existência. Costurei boa parte da roupa que quero vestir.
E isso, senhoras e senhores, é empoderar-se.


O trabalho A Roupa que Quero Vestir de Elaine Miragaia foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada.
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Que delícia acompanhar tanto "pogresso"! :)
ResponderExcluirPara dentro e avante!
Ahhhhhhhhhhhhh! Tem coisa começando a fazer sentido, por aí!!! Estou de 'coruja no toco' só observando você e seu empoderamento!
ResponderExcluirE "Vamo q vamo"!