Agradecimentos (em ordem cronológica)
Magda Rolim, que foi quem primeiro
me falou sobre parto natural.
Lista Parto Nosso, imprescindível,
onde aprendi e aprendo sobre parto.
Walesca Nunes, linda, amorosa,
imprescindível, me sacudiu pelos ombros e me falou da MINHA responsabilidade
sobre a cesárea desnecessária. Não fosse por ela, eu estaria até hoje “meio
fora” da matrix.
Cínthia Bordini, que, quando eu
achava que parir era só para deusas, me disse a frase mágica: parto normal é
isso: normal (queri, hoje eu sei que todas somos deusas).
Ana Paula Caldas, de quem sou
admiradora número 1, por tudo o que falou (e fez) sobre parto domiciliar,
especialmente pela dica de não fazer exames desnecessários quando se quer parir
em casa.
Andreia Mortensen, que não apenas
fez uma maravilhosa pesquisa sobre parto domiciliar, como pariu em casa antes
de mim! Minha grande inspiração na maternagem foi inspiradora também no meu
parto. Nos momentos será-que-não-estou-sendo-maluca, era nela que eu pensava,
sempre tão ponderada e sensata.
Lucio, meu marido empoderado, que
sempre me apoiou e ouviu meus intermináveis discursos sobre parto, e que pariu
junto comigo.
Mara Freire, minha doula, que
prontamente aceitou vir pra roça me atender, ouviu minhas intermináveis
angústias e ainda teve a ideia maravilhosa da importação do parteiro.
Carol Corso, que, a despeito de
seu barrigão um dia maior que o meu, me mandou aquele milagroso chá de
framboesa (lá da Inglaterra!).
António Ferreira, meu parteiro,
que não me atrapalhou em nada: foi um coadjuvante discreto e tranquilo. O
ajudador, como diz Amanda, que vai ficar para sempre nos nossos corações.
A
primeira filha
Eu não sabia nada sobre
nascimentos, já que jamais teria filhos, e “sem querer” engravidamos da Amanda.
Ficamos completamente felizes e eu tratei de me informar, lendo sites e
revistas (típico!). Graças ao livro Feliz Parto Natural, descobri que a dor do
parto é causada pelo círculo medo-tensão-dor, e fiquei por aí: para parir basta
dizer que quer, e para não sentir dor basta não ter medo.
Resolvi fazer o pré-natal com
minha GO de sempre, mas nem cogitei pagar pelo parto e escolhi outra qualquer
do plano do marido. O parto seria uma mera consequência de uma gestação
perfeita, pensava eu.
Na primeira consulta com a nova
GO, ela farejou meu medo maior, meu pânico, aquilo que me remetia ao meu
próprio nascimento: “que bebê cabeçuda! És muito pequena, não vai passar.” Isso
olhando a USG de 24 semanas!!! Contou mais alguns causos assustadores sobre
partos e arrematou com o clássico “mas parto normal é muito melhor”. Eu
acreditei em tudo e não fugi...
Com 30 semanas Amanda ainda estava
pélvica, era ENORME e não viraria mais. “Vamos agendar cesárea para 38 semanas,
senão pode nascer um pé e trancar na cabeça.” Com 38 semanas completas e mais
de 3kg, mamãe pediu e Amanda virou, sem exercícios, sem caminhadas, apenas pedi
(e permiti). Comemorei como se houvesse parido, mas senti o peso da
responsabilidade - agora não tinha mais desculpa. Meus medos tentavam aflorar e
eu os colocava de volta no fundo do baú. Infelizmente chegamos em 39 semanas
sem nenhum sinal de TP e bebê com a cabeça flutuante, e a médica foi taxativa:
há uma desproporção céfalo-pélvica, ela não vai encaixar nunca e não pode
CHEGAR em 40 semanas. Como minha alta hospitalar aconteceria no feriado de 7 de
setembro, pôde chegar e passar de 40 semanas. E eu não fugi! Ao invés disso,
fiquei em pânico porque minha filha havia “vencido” e marquei a décima USG,
desta vez para checar o bem-estar fetal. Tudo perfeito, podemos esperar os dois
dias que faltam para a cesárea salvadora.
Medo, pânico, “não vou caminhar
mais”, “a anestesia não vai pegar”, “meu corpo não vai ser como antes”, “minha
filha não está pronta”. Pressão arterial, normalmente baixa demais, vai às
alturas. O choro gritado e encharcado, a solidão do berço aquecido, do resto
(vacinas, colírio, banhos) eu nem sabia. Chorei e amei aquela voz no mesmo
instante, a filha só fui ver muito depois. Vazio, medo, conversa com a barriga
por semanas, mas a “barriga” estava já no berço. Aquele bebê gigante caiu de
pára-quedas no meu colo aberto e costurado (quem disse que cesárea não dói?!) e
eu me sentia completamente perdida. Foi muito difícil nosso início, jamais
teria outro bebê.
Mas a dor maior veio quando
descobri que o “diagnóstico” da GO foi sem fundamento. Senti muita raiva: ela
havia roubado meu parto! Eu tinha tudo para parir (menos vontade verdadeira) e
ela havia me impedido, usando de forma torpe seu poder e seus conhecimentos...
POR ACASO EU TERIA QUE SER FORMADA EM OBSTETRÍCIA PARA PODER PARIR?!?! Nessa
época passei a participar da lista Parto Nosso e de várias comunidades do Orkut
sobre o tema.
Pois foi minha querida Walesca
quem me pegou pelos ombros, virtualmente, e me falou da minha responsabilidade
na minha cesariana. Falou da inutilidade do meu ressentimento, do sistema
obstétrico ser equivocado e do fato de que não é preciso saber nada de
obstetrícia para parir, é preciso saber da fisiologia do parto, não misturemos
alhos com bugalhos... Desta vez a dor demorou a passar, a cicatriz era lá na
auto-estima.
O
segundo bebê
Minha afilhada passou um mês
conosco e eu percebi que, como Lucio, queria outra criança em casa. Era
fevereiro, decidimos que o bebê deveria nascer a partir de abril de 2009 e fui
tratar da assistência. Não foi fácil encarar tudo outra vez, preferiria não
passar por isso... Desta vez não vou ser vítima, pensei, está tudo nas minhas
mãos. Ou conseguia a assistência que eu queria, e o parto (ou o não-parto)
seria todo meu, ou não engravidaria.
Avaliei minhas opções. Neste
momento foi útil ter auto-conhecimento e ter lido tantos relatos. O parto seria
domiciliar, e obrigatoriamente na minha casa. Pensava nas parteiras
abandonadoras, nos pseudo-humanizados e me arrepiava. Meus fantasmas eram
terríveis, se eu tivesse que enfrentar obstáculos externos também, não ia dar
conta. E pesou muito o fato de já ter uma filha e ter que deixá-la para parir
num hospital (para piorar moramos longe da família). Aliás, eu nunca tive a
menor ilusão de que faria meu parto, após uma cesárea, num hospital... Ir para
nossa terra natal, Porto Alegre, (eu já havia conhecido Ric e Zeza Jones, claro
que poderia parir com eles, mas daí não seria na minha casa) e ficar meses
sozinha com a primogênita, longe do marido e com saudades não seria possível.
Contatei algumas pessoas da região, nenhuma viria a Itajubá
Então entrei em contato com a
doula. Um amor de pessoa, prontamente atendeu meu pedido. Ela estava na Europa
nesse dia e foi dela a ideia de convidar António para me assistir. Uau, que
honra! Mas como assim?! Não gosto dessas coisas mirabolantes, onde já se viu um
parteiro ultramarino? Pensei, avaliei, conversei com marido (e com mais
ninguém), com o próprio António (e se nascer antes? Ou depois? E como será o
pré-natal? E muitas, muitas outras perguntas), com amigas que o conheciam e
decidi aceitar a ideia, apesar da mirabolância da situação. Fiz uma consulta
com uma GO indicada por amigas, que seria meu plano B (só porque a Déia disse
ser importante, na época eu achava agourento!) e esperamos agosto chegar, seis
meses depois, quando começaríamos a tentar engravidar.
Agosto passou e setembro nos
brindou com uma ensolarada e fecunda primavera!
A
gestação
Só porque Ana Paula Caldas falou,
não fiz exames que não julgava necessários, especialmente USG’s. Só com o tempo
percebi a importância disso num parto domiciliar. Fiquei surpresa com a
receptividade da GO às minhas restrições, vi que a mulher tem poder sim, pelo
menos nos primeiros meses de gravidez (no final todo mundo surta, sai de
baixo!). Precisei trocar de GO, acabei em uma ainda menos pior, muito mais
atenciosa, com quem discuti o plano de parto detalhadamente, e fui fazendo
pré-natal a distância também. Aliás, todas as dúvidas eram sanadas com o
parteiro.
Na segunda e última USG, com 21
semanas (fiz só para saber o sexo, e o bebê cruzou as pernas!!!), apareceu
placenta grau I, e esta é a única queixa que tenho da GO: ela me infernizou até
a data de sua “demissão” com a ENORME NECESSIDADE DE CHECAR O ESTADO DA
PLACENTA, mesmo estando tudo normal comigo e com meu bebê. Fez até terrorismo e
me chamou de teimosa e irresponsável – minha tática passou a ser entrar muda e
sair calada das consultas e, quando ela perguntava se fiz a USG pedida, eu
apenas respondia que não e lhe dava meu melhor sorriso...
Enquanto isso eu ia encarando meus
medos, convivendo com eles e tendo lindos sonhos de que paria meu casal de gêmeos
em casa, e que o parteiro nunca chegava a tempo... Visualizava meu filho saindo
de mim, e como sentia bloqueios! Mas seguia em frente, já que cesárea não era
uma opção.
Pois o parteiro chegou antes do
bebê e eu pude respirar aliviada. Brindei sua chegada com uma xícara de chá de
framboesa! Estava com exatas 38 semanas e gritei comigo mesma: agora relaxa,
não vai ser como da primeira vez, tu vais entrar em TP, deixa de ser boba,
agora vai ficar com medinho de “passar da hora”?! Relaxei... “Demiti” a GO insistente
e ficamos todos em casa aproveitando a companhia de António e recebendo um
atendimento mais que especial. (Pré-natal domiciliar é tudo de bom: todas as
noites, com a família reunida, calmamente ouvíamos o coração do bebê - e o da
Amanda claro.)
O
Parto
Às 4h chamei o parteiro para ouvir
o bebê e estava tudo bem. Já tínhamos combinado que eu não queria saber da
minha dilatação e ele nem fez toque, eba, que boa notícia. Perguntei se o bebê
já havia encaixado e continuei caminhando. Amanda acordou e ficou radiante ao
saber que o irmãozinho nasceria nesse dia, nunca vou esquecer seu sorriso. Ela
ficou super calma e queria ficar comigo o tempo todo, nem foi à escola - ficou
em casa fazendo desenhos para me dar de presente. Às 8h liguei para a doula,
que tratou de vir “voando” de São Paulo.
Tomei banhos de chuveiro, abominei
a idéia de entrar na banheira (eu queria espaço, muito espaço), rebolei, fiquei
de cócoras, pedi massagens. Lucio tinha que entregar um artigo naquele dia e eu
preferi que ele ficasse tratando disso e tomando conta da Amanda, já que minha
sogra e minha doula só chegariam dois dias depois. Imaginava meu filho
nascendo, sentia a ocitocina relaxante e sorria... Senti falta da Mara e de
suas massagens perfeitas. Lembrei de muitos relatos de parto e de várias amigas
virtuais, especialmente da Priscila, parecia que ela estava ali.
A cada contração, sentia um calor
forte, uma náusea e logo tremia de frio. “É por causa da endorfina”, me disse
António, que boa notícia, estou mesmo precisando!
Às 14h eu queria sim saber como
estava a dilatação: 4 para 5cm, que boa notícia! Chorei e me emocionei. Depois
de uma cesárea eletiva, é difícil acreditar no corpo... Perguntei se o bebê já
tinha encaixado e continuei caminhando. A dor das contrações era igual a que eu
já estava habituada a sentir: como uma cãibra fraquinha; eu estava apenas com
sono, como qualquer pessoa que houvesse levantado às 2h da madrugada e se posto
a caminhar, depois de dormir apenas duas horinhas. Mas mesmo próximas, eu
sentava e adormecia entre uma e outra. (Num hospital eu já teria sido
diagnosticada com a famosa “ausência de dilatação” muito antes de passadas
essas 12 horas!).
De repente, cansei de brincar de
TP. Fiquei muito brava. Tomara haver uma desproporção e eu ter que ir ao
hospital. Eu não achava que o importante era o TP?? Pois já tive meu TP, agora
eu preciso dormir! Não sei bem o que se passou, só lembro de sentir 3
contrações bem fortes e um pouco mais doloridas, uma emendada na outra, nem
consegui caminhar, e dizer que não agüentava mais. Depois eu estava
semi-sentada de lado na cama e António me dizia que eu tinha dilatação
completa. Chorei de novo, como eu sonhei com esse momento! (Ou seja, eu dilatei
tudo o que faltava em pouco mais de 2 horas).
Mara chegou bem nessa hora e me
senti melhor só por ouvir sua voz. Não conseguia falar algumas vezes, só fazia
gestos. Queria penumbra e me senti muito segura quando Lucio entrou no quarto e
me deu colo e beijos. Estávamos todos ali, até o parteiro, quem diria! De
repente o mundo parou de girar, tudo ficou estático. Vontade de fazer força e
de gritar, gritei AAAAAAhhhh bem forte, que delícia. Entre uma contração e
outra, aproveitava que não havia mais nenhuma dor e relaxava. “Não acredito que
não estou numa posição vertical!”, mas não conseguia me mexer e sentia muita
pressão no púbis (depois eu soube que o bebê estava girando, porque até aquele
momento estava “ao contrário”: olhava para frente.). Fiz força soltando o ar e
gritando várias vezes. Senti a cabecinha com minhas próprias mãos, que delícia!
Fiquei de joelhos para ver se o bebê descia mais, mas não gostei da posição.
Voltei a ficar de lado, mas mais inclinada, e um letreiro em neon veio do fundo
da minha mente - “ANÓXIA”. Fiz força sem soltar o ar, esqueci do maxilar justo
nesse momento, senti o círculo de fogo e vi que iria lacerar, nem me importei.
Nasceu meu bebê às 17h35min! Cordão bem apertadinho no pescoço, precisou ser
cortado antes de nascer o corpo. Que delícia sentir o corpinho saindo! É uma
menina, é a Manuela! Conseguimos, nós conseguimos! Chama a Amanda!
Um minuto depois ela estava nos
meus braços. Não chorou logo, e quando chorou foi mais um resmungo, bem
sequinho, coisa de quem passou pelo canal de parto. Logo mamou, com força.
Olhei nos seus olhos azulados e pensei que não há forma melhor de nascer, que
jeito doce e suave de chegar neste mundo! Ela estava em paz, e EU ESTAVA
EUFÓRICA! Imaginei que nesse momento iria querer ficar sossegada lambendo minha
cria, mas que nada: enquanto ela se mantinha aquecida no meu colo, eu queria luz,
fotos, o telefone, me dêem o telefone! Queria eu mesma escrever mensagens, mas
precisava da sutura (tive laceração grau 2), então insisti para Lucio enviar os
e-mails, e disse que queria todo mundo vibrando comigo. Liguei para minha mãe e
para várias amigas, lamentei não ter o telefone da Priscila. Manuela recebeu
vitamina K por via oral, foi pesada (3kg), foi vestida pela Mara com a roupinha
escolhida pela Amanda, aproveitou o colinho da irmã-mais-velha, e ficou com o
resto da família, e bem calminha, enquanto tratávamos da placenta, que não saía
de jeito nenhum, e da sutura.
Senti um amor imenso e
transbordante pela minha família, por todas as mulheres e por todos os que
partejam, eu estava embriagada! Pensei que parir era simples demais, delicioso
demais, estava louca para contar para todas as mulheres: o parto é nosso, a
gente já nasce sabendo! E me sentia claramente uma gigante.
Ao contrário da primeira vez,
nossos primeiros dias foram ótimos. Eu me sentia tão preparada, tão preenchida,
tão capaz de cuidar da minha cria, era uma sequência natural: conceber, gestar,
parir, e logo nutrir e acolher. (Me sentia elétrica também!). António me deu
todo o suporte para iniciar a amamentação, que foi muito mais fácil desta vez.
Quando me chamam de corajosa ou guerreira, dou risada e penso que, desta vez,
apenas escolhi o caminho mais fácil...
Em suas próprias palavras: "sou gaúcha, gremista, tenho 36 anos, forte inclinação para a esquerda, sou servidora pública, estou espírita e moro em Porto Alegre. Grata
(e parabéns!) por oportunizar que mais gente leia o relato de mais um
parto que derrubou vários mitos bobos da obstetrícia. Foi assim que eu e
muitas mulheres saímos da Matrix."
Obrigada eu, por dividir comigo e com tantas outras pessoas a sua história!!

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Linda história!!! Tão bom quando conseguimos parir, quando acreditamos em nosso corpo depois de termos nosso primeiro parto roubado. Não tem como não se emocionar, parabéns!
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